segunda-feira, 30 de abril de 2012

O CACHORRO É O NOSSO MAIOR ORIENTADOR ESPIRITUAL (OU ERAM OS DEUSES CÃES?)


Nos últimos tempos tenho abraçado mais cachorros do que seres humanos. Bom pra mim. Bom pra todos. Se a candura, o se-dar-completamente e a fidelidade caninas forem contagiosos, e tomara que sejam, estou e estarei me tornando homem melhor nestes dias que ainda me restam viver sobre a Terra.
O cachorro, ao contrário do homem, não trai. Não subtrai. Não mente. Não tem nenhum tipo de preconceito. Não faz pré-julgamentos. Não acha que a AIDS só atinge os não ungidos pelo Deus de Abraão. Não rouba. Não se candidata a cargos públicos. Não corrompe. Não se deixa corromper. Não faz proselitismo de porra nenhuma. Não fala aos berros em celulares nas vias públicas. (O lema deles parece ser: viva e me deixe viver).  
É tudo de bom que o ser humano poderia ser, e não é, e nem jamais será.
[Quando crescer quero ser cachorro. Quando morrer quero reencarnar cachorro. De preferência, um golden retriever]
Em minhas caminhadas pelo Rio de Janeiro, acostumei-me a cumprimentar primeiramente os cachorros, e depois os homens que os cachorros puxam pela coleiras.  (Não se enganem. São os cachorros que puxam os homens pelas coleiras, e não o contrário, como erradamente deduzimos).
O meu cumprimento consta de som de estalo emitido pela língua em contato com o palato, de afagos generosos na corcova do cachorro, seguido de eventual e de caloroso abraço – e só depois vejo o ser humano que o cachorro puxa pela coleira, e o parabenizo pelo belo cachorro que tem como orientador e guia espiritual.
Sim, cachorros são guias e orientadores espirituais. Não será temerário dizer, e digo: são melhores nesse metiê do que Paulo Coelho, Padre Marcelo e Gandhi (& filhos) juntos. Não querem nos convencer de nada. Não querem nos roubar nada. Não  querem nos vender nada. Não querem aumentar o tamanho de nossos pênis – e, muito menos, o tamanho de nossa fé seja que porra de fé for: só querem nos dirigir aquele olhar transcendental que só eles têm, e aquele olhar transcendental que só eles têm talvez queira nos transmitir a seguinte mensagem: - Não sou guarda de trânsito para ficar orientando ninguém. Tratem de descobrir seus próprios caminhos, ó humanos de merda!  
Cachorros são basicamente sinceros. Agem sem aqueles falsos pudores que nos fazem ser uma coisa entre quatro paredes e outra coisa em público. São uma coisa só, integralmente íntegros. Fazem xixi e cocô sem pejo diante de multidões. Cheiram os cus e as genitálias dos semelhantes com admirável nonchalance. Em síntese: não querem foder com o time de ninguém – essa modalidade olímpica ora verdadeiramente universal – e estão sempre na deles.  
(God saves Dog)
Adoro o Rio de Janeiro, e um dos muitos motivos pelos quais adoro o Rio de Janeiro é a paixão que os cariocas nutrem por cachorros. Se algum dia o ser humano for às ruas protestar contra o fato de outros seres humanos terem transformado a palavra cachorro em sinonímia para pessoa vil e sem caráter, isso acontecerá às margens da Baía de Guanabara.
Há certos comportamentos dos cariocas em relação aos cachorros que mais me surpreendem do que me desconcertam – afinal de contas, confiarmos mais em cachorros do que em  homens talvez ainda deixe entrever em nós algum rasgo de sensatez nesses  mares infectos de atávica insanidade que nos afoga desde priscas eras.
Tipo:
1)    Quando o carioca vai pegar o cão que deixou para banho e tosa, o funcionário do pet shop o recebe assim: - Rex, pare de latir. A mamãe (ou papai) chegou! (e o papai ou a mamãe de Rex corre ao encontro de Rex como se fosse ao encontro da mais filosofal de todas as pedras).
2)    Se o carioca deixar o cachorro sozinho à porta do supermercado, onde lhe é vetada a entrada, algum carioca solidário passará, parará, e conversará com o cão solitário como se conversasse com criança ameaçada de orfandade, e dirá dengosamente: - Papai e mamãe lhe deixaram aqui sozinho, foi? Coitadinho! Mas não se preocupe, papai e mamãe logo voltarão.
3)    O carioca gosta de batizar os seus queridos cães com nomes humanos. Já conheci Uriel, Natan, Tomaz, Sergio Murilo, Beatriz, Sabrina, Rebeca, Ana Regina, entre outros.
Uriel é meu super-herói preferido nos últimos tempos. Trata-se de dog alemão gigante que se veste como dálmata – de branco com manchas pretas – e se comporta exemplarmente. Frequenta, às vezes com mamãe, às vezes com papai, diariamente o Aterro do Flamengo. Quando eu o conheci, e o abracei, o confundi com um dálmata.
A mamãe de Uriel (cujo nome, noblesse oblige, nunca procurei saber) reclamou: - Alto lá! Ele é um dog alemão, meu caro!
Uriel a olhou com cara de tédio. Na verdade, pouco lhe importa se é um dog alemão ou se é um um dog boliviano. Prova disso: poderia se aproveitar do tamanho que tem para vilipendiar as centenas de cães menores que lhe cruzam o caminho. É dócil e afável com os semelhantes de todas as dimensões e raças.
Só pensa em reagir à provocação de algum semelhante, se esse algum semelhante for do tamanho dele. Uriel tem princípios. Um Golias que só se dispõe a lutar, quando necessário, com outros Golias. Uriel é nobre. Uriel nunca será presidente da república. Uriel nunca será deputado federal. Enfim, Uriel nunca será homem.
Quando avisto todos esses cães altaneiros guiando homens e mulheres sombrios pelas ruas do Rio de Janeiro, penso: os cães – e não os homens – foram feitos à imagem e à semelhança do seja-lá-quem-for – Deus, ou Clotilde – que nos (des)criou.  








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