quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O NATAL É UMA INVENÇÃO DE DEUS QUE O DIABO ABENÇOOU (OU HORRÔ! HORRÔ! HORRÔ!!!)


Tem  quem adore Natal. Eu o-de-io.  
Cada louco tem sua mania. Traumas meus. Pessoais. Intransferíveis, e que irão comigo até o bulezinho de prata que guardará minhas cinzas.
Quando petiz me fizeram crer na existência de Papai Noel. Mas logo aos cinco, seis, anos, comecei a achar essa história de Papai Noel que voava num trenó puxado por renas voadoras e entrava no meu lar-doce-lar pela chaminé da casa não tinha a mais remota chance de ser verdade. Mas caguei: a porra da verdade que fosse à prostituta que a gerou.
Queria ser enganado. Gostava de ser enganado. Todos nós gostamos de ser enganados. Todos nós gostamos de ser enganados até o fim de nossos dias. A isso chamamos ilusão. De faz de conta. De fantasia. A verdade dói mais que sete adagas enfiadas, ao mesmo tempo, no baixo ventre – uma,  de ponta mais afiada, no fulcro das nossas genitálias.
(Por essas e outras, vivemos fugindo da verdade como Lady Gaga foge de encarar espelhos sem make up a lhe esconder  a face, melhor não face, da mulher mais feia do universo, quiçá, de todas as galáxias).
Tal e qual Lady Gaga, fugi da verdade durante dois ou três anos. Até que, ao despertar de certo 25 de dezembro, meus bracinhos tenros e roliços se enfiaram por baixo da cama à procura do que Papai Noel, o qual já sabia ser conto da carochinha, havia deixado pra mim.
Nas vezes anteriores, bastava baixar o braço, e minha mão esbarrava em alguma caixa cada vez menor – mas caixa – e o meu coração batia mais que o batuque do Olodum. Mas dessa vez: não houve final feliz. Descobri, desolado (depois de escarafunchar todos os milímetros do chão de assoalho onde o meu leito se assentava), apenas duas ou três baratas mortas. Nada mais quê.
O meu mundinho caiu: Papai Noel já soubera que eu percebera que ele era uma fraude temerária, e me mandava às favas. Fim de jogo. Merda: como o filho da puta do Papai Noel descobrira que eu descobrira que ele era uma fraude temerária?
Na verdade, havia crucial elemento macroeconômico nessa revelação, o xis do problema:  minha família, classe média baixa do interior da Bahia nos anos 1960, decidira, convenientemente e sabiamente, pôr fim a essa farsa. Afinal papai-&-mamãe tinham despesas mais básicas e mais prioritárias para investir: fazer, por exemplo, com que não faltasse comida na mesa, tanto no café da manhã, quanto no almoço, quanto no jantar - e isso, devo ressaltar, nunca faltou.
(Parágrafos que atestam para os devidos fins o quão parcos eram os recursos financeiros da família Souza Menezes, no decorrer dos anos 1960: 1. a primeira geladeira que vi na vida, e pela qual me apaixonei à primeira vista, foi uma Gelomatic de quinta-ou-sexta-mão, a qual meu pai comprou em prestações, e que se transformou na Esfinge-de-Gizé-do-Antigo-Egito da casa velha e cheia de goteiras localizada à avenida Rio Branco, 817, Jequié-Bahia – meio assim uma réplica avant la lettre do lar da Família Adams.
2. Mas voltemos ao refrigerador recém-chegado: detonado, o tempo já acrescentara ao branco original (cor-base do eletrodoméstico) petit pois desconstruídos a estampá-la quase inteiramente;  e durante à noite ela roncava em altos decibéis, como se fosse um rinoceronte ou um hipopótamo protagonizando terríveis pesadelos ou deliciosos orgasmos.
3. Informação que não posso deixar de dar ao caro leitor: a maçaneta da porta, outrora toda prateada, era então menos trechos prateados e mais trechos cinza-escuros, nos quais a cada vez que, desavisados e distraídos, os tocávamos, levávamos tremendo choque elétrico. Ainda assim, eu, especialmente eu, a adorava, a idolatrava. Não sem motivos: ela resfriava os nossos calores sertanejos, tornava a água que bebíamos mais fresca, e, rotina diária, eu enchia cubas de gelo com sucos das frutas mais variadas, e, ao voltar da escola, mergulhava nessa orgia mezzo gastronômica até a língua se tornar picolé de língua, completamente anestesiada – e eu gostava de mordê-la com força e não sentir a menor dor, e acho que eu pensava que gostaria que a vida fosse sempre assim, sem a menor dor, para todo o sempre. [Bobinho!])
O motivo pelo qual o Papai Noel fora defenestrado de minha casa: meus pais tinham despesas mais prioritárias do que manter essa fantasia otária do filho caçula. Mas eu registrei o golpe: (puro teatro, noblesse oblige). Passei o resto da manhã completamente macambúzio. Fiz queixas ao resto do clã sobre o fato de PN não ter me visitado na noite anterior. Recusei-me a tomar café da manhã, mas roubei uma rabanada escondido, na verdade, duas.
O meu tour-de-force deu certo: lá pelas onze da manhã, percebi certo rebuliço num dos quartos da casa. Minha mãe Águida, e minhas irmãs Luiza e Cecé, catavam moedas em diversas gavetas, e, presumi: tinham a intenção expressa de ir  até a algum armarinho milagrosamente aberto da Rua Sete de Setembro (a nossa tosca e naïf versão da Avenida Paulista de antanho), e tentarem tornar o meu o Natal menos aziago.
Presumido, e materializado: meia-hora depois, minha irmã Luiza me abordou no varandão da casa velha [e protagonizamos o seguinte e ridículo sketch]:
Luiza: - Roge [era, e é, esse o apelido com que minha família me chama até hoje], Roge, acho que você não olhou direito o que havia embaixo da sua cama!
[Como não havia olhado direito o que havia embaixo de minha cama, cara-pálida?  Chegara mesmo a guardar as duas baratas mortas em caixas de fósforos – (vá ver não descobriria um jeito de brincar com elas?), e não encontrara nada, absolutamente nada!]
 Luiza insistiu: - Vá lá agora ver. Estava meio escuro à hora em que você olhou. Agora é quase meio-dia, o sol está pegando fogo em todas as janelas do seu quarto! [o qual eu dividia com o meu irmão sete anos mais velho, José Crispim, que já não acreditava em Papai Noel e em Telecatch Montilla havia anos].
Fiz-me de tonto, voltei ao quarto, e, mais exatamente, a olhar o espaço vazio abaixo de minha cama. Então realmente havia um pacote quadrangular enrolado em papel de presente. Puxei-o, enquanto Luiza  escapava rapidamente do quarto. [Provavelmente temendo ver o meu olhar de frustração diante do singelo presente que os tostões encontrados nas gavetas permitiram comprar.]
O pacote era leve. A embalagem, ordinária. Mas o abri com rapidez: imaginei que ali se abrigassem todos os soldadinhos de chumbo do mundo – ou um jogo de pingue-pongue. Não abrigavam. O que os meus olhos viram foi um pequeno carrossel amarelo, no qual cavalos toscos de plásticos coloridos se dependuravam precariamente. A graça do brinquedo: rodava-se o cume do carrossel e os cavalinhos toscos rodavam. Ou seja: graça nenhuma.
[Fim do sketch.]
Fiquei por uns minutos me culpando por ter deixado de acreditar em Papai em Noel – e também o culpando por não mais imaginar que um garoto de oito anos ainda mereceria – mesmo que não acreditasse mais  na existência dele – algum mimo que me fizesse crer – e eu queria muito acreditar nisso: a vida seria ad infinitum uma chuva de presentes.
A decepção foi acachapante. Meu mundinho caiu novamente. Cria e queria crer: a vida seria uma eterna chuva de presentes. E se não fosse? O que seria de mim, gordo e tímido e cheio de medos?
Senti raiva do carrossel com seus cavalinhos de plásticos, e pensei em jogá-los fora.
(O que não demorou a acontecer; duas semanas depois, alguém, que não consigo ou não quero lembrar quem tenha sido, pisou, sem querer, ou com querer, no meu último  ´presente´ de Papai Noel – e eu naveguei por algumas horas entre a alegria e a tristeza. Depois dei de ombros: não tinha gostado mesmo daquele meu ´último´ presente de Papai Noel, ´aquele velho gagá´, pensei).
Enquanto pensava, e pensava corretamente (descobri depois a ferro e fogo), que a vida não seria eterna chuva de presentes, ouvi a voz bem-vinda e reconfortante de minha mãe. Chamava-me para almoçar. Entrei na cena da ceia do dia seguinte com cara de paisagem. Alguém perguntou, sei lá mais quem: - Gostou do presente de Papai Noel? Pensei: - Não, mil vezes não. Mas menti, e menti descaradamente: - A-do-rei!
(Não era a primeira vez que mentia. Nem seria a última. A mentira – descobri com o passar do tempo – é, usada com zelo, moderação, e sabedoria, bálsamo sempre necessário.)
O mundo girou, e gira muito mais que nós: décadas depois, Natal de 2012, Ilha do Governador, Rio de Janeiro: os Souza Menezes não têm mais os chefes do clã: Águida e Crispim morreram há décadas. Em compensação, entraram em cena netas, genros, e, o melhor que há: bisnetos.
Mesmo que ame os meus sobrinhos-netos (Beatriz, Augusto, Davi, Luana e Marina; os daqui do Rio de Janeiro; e Pietro, Dimitri e Marvin, os que moram em Jequié na Bahia; além de todas as pessoas que integram minha família), continuo achando o Natal festa tão cristã quanto um gato seja um rato e um rato seja um leão-marinho.
O Natal é orgia gastronômica e megacapitalista perdulária, selvagem, hipócrita, nelsonrodriguiana em essência – gentes que se amam-odeiam em eternos ires e vires que, de uma para outra, trocam de personagens – gentes que guardam ódios e mágoas no fígado e que, de uma hora para outra, fingem ser todos amigos e irmãos, pelo menos até o raiar do dia 26 de dezembro.
Bem, depois (por favor, tirem as crianças da sala) voltamos a ser o que realmente somos: a escória da raça, com as honrosas exceções de praxe.
natalistas ferrenhos que defendem o evento como um rito de passagem fundamental para as crianças. Bull shit. O Natal é festa que serve para bimbalhar, e bimbalhar estrepitosamente, o capital, o dinheiro, a exploração do homem pelo homem (apud o vintage ideário socialista). Sempre foi assim. Sempre será assim.
O cristianismo, religião que, em essência, prega o igualitarismo social entre os seres humanos [Karl Marx e Jesus Cristo teriam muito que conversar caso de encontrassem, ocasionalmente, num pub de Londres, ou num boteco de Madureira], está hoje tão distante do chamado espírito natalino quanto o ponto zero de todas as nossas galáxias está do ponto infinito de todas as nossas galáxias. 
Admito: sinto-me feliz nas festas de Natal de minha família. Mesmo com os azedumes costumeiros. As tensões contidas. As raivas guardadas temporariamente no fígado. Os sorrisos eventualmente forçados. Tudo isso emoldurado, por uma vontade sincera (a de nossa família) de que mais uma noite de Natal possa melhorar este mundo caótico no qual habitamos. Mas também fingimos (e é compreensível que finjamos) que uma noite de Natal a mais ou a menos possa nos mudar e, por tabela, mudar o mundo, mas também sabemos desde sempre, embora nunca queiramos acreditar: Natais não mudam merda nenhuma, e a miséria que perpassa o mundo não diminuirá milímetro sequer se os Natais deixarem de existir.
Mas voltemos às crianças, por causa de quem o mundo ainda tem algum sentido em se perpetuar: é por causa delas que o Natal é ainda festa que me interessa e me mobiliza, em termos.
Interessa-me por ser um ritual de passagem no qual em algum momento a criança deixará de crer que papais noeis existem – e, por tabela, em médio prazo, começarão a perceber: a vida, o rumo que imprimimos às nossas vidas é de responsabilidade apenas minha, sua e nossa – exclusivamente minha, sua e nossa, sem que papais noeis, papais, mamães, painhos, mainhas, tios-dindos queridos, avós e avôs abnegados e amorosíssimos possamos, embora queiramos, embora façamos e devamos fazer a nossa parte – e nunca deixaremos de fazê-lo.  
Nesse último Natal, o meu sobrinho-neto Augusto, 6 anos, presenciou o seguinte fato, da varanda do apartamento onde mora, e onde nos reunimos para a ceia: o papai-de-noel-de-aluguel - tão consumidos em períodos natalinos quando as calóricas rabanadas: aparentemente um homem comum que, de fato, era desceu do carro trajando roupa vermelha, e, em plena rua, terminou de fantasiar-se: pôs gorro, barbas brancas, caprichou no blush vermelho-carmim, enfiou travesseiro sobre a barriga, empunhou o cajado cravejado de strass e purpurinas, e subiu até o apartamento no qual ceávamos.
Feito eu, há 50 anos, Augusto talvez continue querendo crer que papais noeis existam e, que, deixando de crer na existência deles, os presentes natalinos desapareçam nos próximos natais.
A ótima notícia: na cabeça do menino de seis anos algumas sinapses começarão a se conectar a partir dessa visão inesperada. O que poderá significar que, a partir de agora, aos poucos, Augusto começará a perceber: não serão papais noeis, papai-&-mamãe, tios dindos, tias-dindas, avós abnegados e  amorosíssimos quem resolverão, de fato, a vida dele.
Tenho de informá-lo, é dever de seu velho tio-avô lhe dizer: a bola, meu querido e amado sobrinho-neto Augusto, está com você. Nós, familiares que lhe amamos com paixão imorredoura, continuaremos a fazer tudo que estiver ao nosso alcance para ajudar você atingir  os seus objetivos – e assim o faremos. Amém.
Mas a vida, no frigir dos ovos e do pipocar das vicissitudes,  é sua, meu querido Augusto. A vitória, também. Amém again.


quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

CARTA A AMIGO QUERIDO COM MEDO DO FIM DO MUNDO (OU DESESPERANDO GODÔ)

Rio de Janeiro, 20 de dezembro de 2012.

Meu querido amigo Godô,

Viver é muito perigoso, já avisava, e alguém já havia ter dito isso a ele, alguém já tinha buzinado isso no ouvido dele, de João Guimarães Rosa, havia muito tempo, e ele apenas ratificou: `Viver é muito perigoso.´
Você já deve conhecer de cor e salteado essas frases abaixo, mas as repetirei, valerá sempre a pena ouvi-las de novo: 
1.       ´Ninguém é capaz de entender o que se faz debaixo do sol. Por mais que se esforce para descobrir o sentido das coisas, o homem não o encontrará. O sábio pode até afirmar que entende, mas, na verdade, não o consegue encontrar´. (§ 8, versícuclo 16, do Eclesiastes, um dos livros da Bíblia Sagrada).
2.    ´A vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, não significando nada.´ Fala de Macbeth na peça homônima de William Shakespeare.
Pois é, meu prezado Godô,  ´querer´encontrar o sentido da da vida é correr atrás do vento´ (palavras ditas o mesmo Eclesiastes).
Portanto, quando a esse quesito - o que estamos fazendo neste vasto mundo que não tem rima nem solução - nunca estivemos, estamos e estaremos sozinhos. Somos todos baratas tontas trilhando caminhos e descaminhos desconexos, às vezes; conexos, outros.
Para nosso consolo, ou desconsolo, o mesmo Eclesiastes  arremata, sem dó, nem piedade:´Desfrute a vida com a mulher que você ama, todos os dias desta vida sem sentido que Deus dá a você debaixo do sol; todos os seus dias sem sentido! Pois essa é a sua recompensa na vida pelo seu árduo trabalho debaixo do sol. O que as suas mãos tiverem que fazer, que o façam com toda a sua força, pois na sepultura, para onde você vai, não há atividade, nem planejamento. não há conhecimento, nem sabedoria.´
Ou voltando a Shakespeare, na cena final de Hamlet, quando, após ser esfaqueado, e antes de morer, o personagem que dá título à peça resume a vida (e a morte) na seguinte aparente obviedade:`O resto é silêncio!´.
Portanto, meu querido, enfie o pé na jaca antes que a jaca enfie o pé em você!
Ou como cantava a eternamente-virgem Doris Day em canção antológica composta pelos americanos Jan Livingston e Ray Evans, e incluída na trilha sonora de O Homem Que Sabia Demais, de Alfred Hitchcock:`Whatever will be, Will be!´ 
Que seja! Quem sabe o que nos reserva o minuto seguinte? Assim é a vida. Mas é a única que temos, maravilhosa e tenebrosa ao mesmo tempo, e só nos resta navegá-la (apud Fernando Pessoa) - pois viver é navegar (sem carta de navegação alguma a nos orientar) e tudo será bom enquanto durar, e nada será como antes, porra!
Abraços do amigo Rogê,
P.S.  E quanto a esse seu temor nada viril de que o mundo acabe amanhã – homessa! – tenho apenas o seguinte a lhe dizer: Seja  o que Deus(dêmona) quiser, e estamos conversados!
2. Das duas uma: ou nos reencontraremos no inferno; ou no Amarelinho, ali na Cinelândia, na próxima quinta-feira, na boca da noite, sem falta.





domingo, 18 de novembro de 2012

`O FUTURO É UM MISTÉRIO QUE A GENTE NUNCA SABE DE CIÊNCIA CERTA EM QUE MOMENTO O CAMINHO DÁ UMA VIRADA E PARA QUE ESTRANHOS LUGARES NOSSOS PASSOS CAMINHAM´ (ROBERTO BOLAÑO - 1953-2003). OU 2666


POR MOTIVOS  RELIGIOSOS 

O BLOG O LOBO NO AR ESTÁ

FORA DO AR POR TEMPO

 INDETERMINADO. QUANDO

A LUZ VOLTAR, SE ALGUM DIA

VOLTAR, HÁ CONTROVÉRSIAS,

RETORNAREMOS  NOSSAS POSTAGENS.

NESTE ÍNTERIM LEIAM ECLESIASTES.

ESTÁ TUDO LÁ, MEU NEGO, MINHA

NEGA. DEPOIS É SÓ APERTAR O

GATILHO E PARTIR PRO ABRAÇO.

O LOBO (sem ar, antes de mergulhar)


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

MEUS DOZE MANDAMENTOS (OU CADA UM QUE VIRE A BUNDA NA DIREÇÃO QUE QUISER)


1. Escrever.
2. Caminhar.
3. Dizer sempre obrigado, com licença, perdão quando necessários. (Existem momentos da  minha vida pessoal, tão desgraçados, que sinto vontade de chorar quando alguém esbarra em mim sem querer e diz com sinceridade o seguinte mantra confortador: - Perdão, senhor! Perdão!)
4. Sentir compaixão pelos desvalidos que todos nós somos, fomos ou seremos. (A vida é merda e redenção para todos: taí uma regra sem exceção).
5. Dar adeusinho afetuoso a todo bebê ou criança que  cruzar o seu caminho e rir para você. Ese pequeno gesto poderá lhe garantir no mínimo sete dias a mais de vida, o que, a depender do caso, lhe pode ser uma boa ou má notícia).
6. Acarinhar gatos e cachorros como se fôssemos nós próprios – e fomos, somos, ou seremos gatos e cachorros.
7. Agir duas vezes antes de pensar.
8. Não se vitimizar nunca. Nasce-se vítima. Morre-se vítima. A desgraça é desígnio universal. A tempestade nasceu pra todos. Ninguém é totalmente feliz. A miséria é nossa marca registrada, tatuagem invisível que carregamos sob nossas peles desde a chegada até a partida. Ponto. O que nos resta fazer: surfar na própria merda até o fim dos tempos e let it be.
9. Quando incômoda e óbvia vontade de morrer nos invade, e a incômoda e óbvia vontade de morrer nos invade a todos, indistintamente, a toda hora e a todo lugar, tente aliviar a barra ingerindo aquelas santas pilulazinhas tarja preta. Se a dor não passar, vá mais além, pague pra ver. Que se fodam os outros: a dor de cada um é a dor de cada um, absolutamente pessoal e intransferível.
10.  Tomar pelo menos uma vez na vida: a) um sorvete de cocana (mix de coco com cachaça) em sorveteria francesa em esquina do Terreiro de Jesus, em Salvador. b) um ovomaltine do Bob´s em qualquer lugar do planeta.
11. Mande alguém – (que o incomode atrozmente) -  tomar no cu sempre que puder. A imprecação poderá lhe render o desemprego ou a perda de uma amizade, mas vale quanto pesa: mandar alguém tomar no cu, em retumbrante brado, é  libertador e redentor.
12. Quando tudo der absolutamente errado, aperte o botãozinho do foda-se, repita o mantra pessoal que o acompanha desde sempre, cague e, basicamente, ande.


quarta-feira, 17 de outubro de 2012

OS REIS MAGOS DE MEIA-TIGELA DOS ALTOS SERTÕES DA BAHIA (OU ÉRAMOS QUATRO)


Éramos quatro.
Éramos quatro Reis.
O primeiro rei: Benedito (de Souza Reis). Nascido em 1952.
O segundo rei: Orlando (de Souza Reis). Nascido em 1952.
O terceiro rei: Antonio Martiniano (de Souza Reis). Nascido em 1953.
O quarto rei: Rogério (Reis de Souza Menezes). Nascido em 1954.
Não nos tornamos Reis por originarmos de ascendências nobres, ou por conquistarmos terras ao redor do mundo ao custo de muito sangue e de muita morte e de muitas armas de fogo e de muita guerra e de muita tirania. Viramos Reis por acaso.
Os quatro primos ganhamos o sobrenome Reis por termos nascido no dia de Reis, 6 de janeiro, data do calendário cristão celebrada com grandes festejos pelos quatro cantos do mundo, e considerado momento especialíssimo, pelos experts das artes divinatórias, como excepcional momento para escaparmos do ventre de nossas mães e mergulharmos neste vale de lágrimas. (Uns otários esses experts!)
Evidência ululante: nossos pais - os irmãos Francisco, Miguel, Baraquísio e Águida – acreditavam piamente, cheios de sonhos de progresso e de gloriosos augúrios para os seus rebentos recém-chegados: essa palavra literalmente poderosa – Reis  imprimiriria e impregnaria às vidas desses quatro primos existência exitosa, gloriosa, vitoriosa, venturosa e consagradora. Numa palavra: redentora.
Reza a lenda: em 6 de janeiro do ano 1 D.C., duas semanas depois de Jesus Cristo nascer, três reis magos Gaspar, Melchior e Balthazar o visitaram – e lhe presentearam com ouro, incenso e mirra, e o embalaram com seus braços fortes, mas carinhosos.
Trapaças da sorte, um quarto rei mago, Artaban, o que levaria rubis, pérolas e safiras para o recém-nascido, perdeu-se pelo caminho. Não conseguiu alcançar os companheiros – e perdeu a chance de se imortalizar em milhares de gravuras e efígies que percorreram e percorrem o mundo desde então, registrando esse momento histórico.
O meu primo Benedito, o filho de Francisco, foi o Artabã da nossa família pelo lado materno, os Souza. Teve vida meteórica: morreu dois dias depois de ter nascido. Não teve tempo sequer de perceber o formato do seio materno ou a miséria do mundo.
Sobramos os outros três primos Reis: Antonio Martiniano, Orlando, e eu. A nossa sobrevivência, posso presumir, certamente encheu Baraquísio (pai de Antonio Martiniano), Miguel (pai de Orlando) e Águida (minha mãe) de muitas alegrias. Nós três, eles teriam pensado e desejado, seríamos tão vitoriosos e bem-sucedidos quanto os eternamente  célebres Balthazar, Gaspar e Melchior.
Ao contrário de Benedito, o primeiro Reis a morrer, Antonio Martiniano, Orlando e eu crescemos viçosamente, tivemos infâncias felizes, adolescências imersas em alegrias e tristezas, num chiaroscuro típico dessa fase da vida humana, e chegamos, são e salvos à vida adulta.
Foi a partir dessa vida adulta que os três primos Reis se tripartiram. Cada primo Reis trilhou o caminho que tinha de percorrer. Cada primo Reis percebeu as agonias e as glórias de viver. Cada primo Reis descobriu a dor e a delícia de ser o que é. Enfim, coisas da vida, cada primo Reis pegou a sua reta. Cada primo Reis picou a sua mula. Cada primo Reis caiu na estrada e perigou ver – e viu.
O Reis Rogério sempre quis ser cidadão do mundo. Nunca conseguiu ficar parado no mesmo lugar. Tinha, e tem, espírito de bicho-carpinteiro. Sempre quis pagar para ver. Aos três anos, se mudou de Mutúipe, onde nasceu, às margens plácidas do Vale do Rio Jequiriçá, para Jequié. Aos 14, seguiu para Salvador, onde morou até os 31. Em seguida morou 12 anos em São Paulo, 10 em Brasília, e vive há quatro anos e meio no Rio de Janeiro.
O Reis Orlando sempre foi bicho do mato. Tímido. Caladão. Doce. De pouco falar. Gostava mesmo era de morar na fazenda do pai Miguel. Não queria saber de cidade grande. Sempre em eterno trabalhar, em eterno plantar e colher, colher e plantar, desde criança. Gostava de correr livremente pelas brenhas da caatinga dos altos sertões da Bahia, como se fosse um tatu. Ou uma lagartixa. Ou uma preá. Como se fosse mais bicho que homem (e bicho é, e será, sempre melhor que homem). De tanto ficar no mesmo lugar, o Reis Orlando virou paisagem rural. Sempre quando me lembro da fazenda de Tio Miguel, no Vale do Jequiriçá, revejo, reluzindo no meio dos matagais, os olhos esplendidamente verdes do Reis Orlando.
O Reis Antonio Martiniano era moreno danado de bonito: mas essa boniteza nunca fez dele cara arrogante, metido-a-sebo, como se dizia no sertão da Bahia em tempos de antanho. Ele era meio cismado. Cabreiro. Uma eterna tristeza no olhar, sabe-se lá de onde vinha. Não era muito de ir daqui para ali ou dali para acolá. Preferia a quietude. Sempre morou na roça, na fazenda de Tio Baraquísio, ou na casa da família em Valença-Bahia, sempre como se estivesse fora do lugar. Nunca soube de seus amores e de seus desamores. Nós nos gostávamos muito entre a infância e a adolescência. Eu o chamava de Reizinho. Ele me chamava de Roge. Mas nunca me contou nenhum segredo. Mas devia ter muitos. Quem não os tem? Fomos crescendo. Fomos nos afastando. De repente eu sumi. De repente, ele sumiu.
Epílogo
1.    O Reis Orlando continua vivo e fraco e tímido e caladão e doce. Mora no mesmo lugar onde  nasceu há 60 anos. Passa o dia no mato cuidando do roçado, e para o Reis Orlando a vida nada mais é que imenso roçado. De noite vai para a cama com as galinhas, ao lado da mulher simplória de sempre e para quem também a vida é imenso roçado. Tem filho muito bonito, rapagão de trintanos também chamado Antonio Martiniano, como o nosso primo Reis, e como o nosso avô, pai de minha mãe  e dos pais dos outros três primos Reis. Tem uma neta belíssima, Maria Rita, tão esplendorosa que, se surgisse de repente em algum lugar hype de São Paulo, alguém a descobriria e a transformaria numa Giselle  Bündchen. Mas desconfio: também para Maria Rita a vida será apenas imenso  roçado.
2.    O Reis Antonio Martiniano, talvez para afundar alguma amargura nunca revelada ou amores nunca materializados, tomou todas as que tinha direito, e muitas e muitas mais. Bebeu. Bebeu. Bebeu. Bebeu. Bebeu até cair morto. Varado pelo alcoolismo crônico, com pouco mais de trinta anos. Ave, Reizinho!
3.    O Reis Rogério continua vivo, talvez forte, e ainda tentando pegar, matar e comer – & quá um velho Carcará.
4.    Talvez o Reis Benedito, nosso Artaban, o primeiro a cair, o que nem teve tempo de perceber o quão viver é muito perigoso, tenha sido o mais feliz desses quatro Reis que nada tiveram ou têm de Reis, magos ou não. 
     

domingo, 7 de outubro de 2012

TODO HOMEM É BABACA ATÉ PROVA EM CONTRÁRIO (OU AS DIVINAS TÁBUAS DA LEI)


I.          Todo homem é babaca – claro, com as exceções de praxe que confirmam a regra.
Adendo 1: Ungido biblicamente à condição imobilizadora de rei dos animais, massacrado pelo divina obrigação de ser o provedor da família, o homem se fodeu: transformou o  cérebro eventualmente potencializador em coração vagabundo(e não o contrário, como deveria); afundou a bunda flácida sobre a poltrona localizada em frente à tevê; e hoje vive geralmente da dependência química que o pênis exerce nas mulheres, e, noblesse oblige, em outros homens.

II. Todo gay é babaca – claro, com as exceções de praxe que confirmam a regra.
Adendo 2: Dragados pela homofobia em vigor desde que o mundo é mundo, os gays nos deixamos vitimizar, sem as exceções de praxe. A partir de meados do século passado reagimos, ocupamos legitimamente o espaço que nos cabia, e cabe, e caberá, no nosso tecido social. Angústia da influência – embora muitos de nós ainda cometamos o pecado mortal da vitimização: caímos em tentação; subimos no salto; quisemos crer, entre outras bobagens, que éramos seres ´especiais e mais sensíveis´; e passamos a nos achar o rei, ou a rainha, dos animais – com as exceções de praxe que confirmam a regra. 

III.  Toda mulher tende a ser babaca, e a se vitimizar – claro, com as exceções de praxe que confirmam a regra.

Adendo 3: Ossos do ofício, biblicamente e emblematicamente reduzida a uma costela retirada do corpo de um homem, a mulher foi à luta; queimou sutiãs; aprendeu as artimanhas da traição, arquetipicamente masculina; percebeu – e  disso se aproveitou – o fato de o homem, e, noblesse oblige,  outras mulheres, serem dependentes químicos de suas vaginas; fez do lesbianismo opção existencial e comportamental; pôs a cara a tapa; redobrou o fôlego; e, em 2012, se tornou o melhor  da raça humana – claro, com as exceções de praxe que confirmam a regra.

Donde se pode e se deve inferir, sabiamente:  haverá hoje no planeta Terra mais homens e gays babacas do que mulheres babacas.

Tenho dito.



segunda-feira, 1 de outubro de 2012

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR ROGER (OU UM MANUAL DE BAIXA-AJUDA - VOLUME 1)


·    Tudo acaba bem no final: todos nós morremos.
·    A razão é a mais grave forma de loucura: é incurável.
·    Quanto mais rezo mais assombração me aparece.
·    Polyana morreu de overdose de jujuba.
·    Ser anta é ser feliz.
·    Se o mundo fosse bom o dono morava nele.
·    Amar é jamais ter que pedir perdão.
·    Dormir é brincar de morrer.
·    Por um mundo menos humano.
·    Prefira um algoz eventual a uma eterna vítima.
·    A diferença entre cagar e foder é questão de vetor.
·    A cavalo dado não se olha os dentes. Apenas o pênis. Geralmente duro. Se não estiver, pode devolver.
·    A vida só acaba quando termina.
·    Político bom é político morto.
·    Índio bom é índio nu.
·    Quando um burro fala, o outro murcha a orelha.
·    Quem vê cara não vê cu.
·    O amor que fica é o amor de pica.
·    Se merda valesse dinheiro, pobre nasceria sem cu.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O TAMANHO DO PÊNIS ESTÁ NA CABEÇA, IRMÃO (OU O CRONISTA ENFIM TIRA O PAU DO ARMÁRIO)


A infância é o período mais feliz de nossas vidas. Ponto.
Ainda assim há controvérsias. Eu mesmo tenho controvérsias.
Não por ser gay, ter pênis pequeno, médio ou grande, mas sim por pesar 60 quilos aos 10 anos.
Ninguém sabia que eu era gay. Só eu sabia. À época, alto sertão da Bahia, o assunto sequer era mencionado, sequer era respirado, sequer era cochichado, sequer era murmurado. Embora o homossexualismo – aliás, desde sempre – já tivesse dezenas de milhões de praticantes anônimos em nossos pelotões, aqui e além-mar.

Muito cá entre nós, achava esse não-querer-ver alheio ótimo: relacionei-me sexualmente durante sete anos – dos oito aos quinze – com homem bem mais velho do que eu - e nem a Interpol, a KGB e a CIA foram capazes de descobrir. Muito menos a minha família.
Devo dizer em defesa de meu amante precoce: não fui seduzido ou abduzido ou violentado. A iniciativa de começar a relação foi minha. Ele topou. Podia não ter topado, mas topou – e que bom que tenha topado. Foi algo consensual, levemente sentimental. 
(Ela era gentil e afetuoso. Encontravamo-nos sempre aos domingos. Até hoje o lembro com saudade. Ele já não está mais no meio de nós.)
Ter pênis pequeno, médio, ou grande também nunca me atormentou. À época, pensava: todos os pênis do mundo teriam o mesmo tamanho, inclusive o pênis do homem bem mais velho com o qual me relacionava, exatamente do tamanho do meu, treze anos mais jovem.
Ser gordo foi o fardo pessoal mais, literalmente, pesado da minha infância. Excelente aluno, o melhor da classe, os meus contemporâneos viviam bulindo (forma verbal usada no interior da Bahia nos anos 1960, tradução literal do que hoje chamamos  bullying) comigo o tempo inteiro. Chamavam-me: bolo fofo, bolo de bosta, picolé de banha, saco de batata etc etc etc.

Nas aulas de educação física, minha posição oficial era a de goleiro, disputado com unhas e dentes por times rivais. Diziam: - Rogério é nosso. Gordo do jeito que é, basta abrir as pernas e os braços debaixo da trave que bola nenhuma passa!
Passou. Aos 14 anos fui estudar em Salvador, emagreci vinte quilos em um ano. No decorrer da vida engordei um pouco, emagreci, emagreci, engordei um pouco, até virar o homem magro que sou hoje - que anda sem parar, desde 1989,  de quinze a vinte quilômetros todas as manhãs, esteja em que latitude do mundo estiver.

A melhor notícia do parágrafo anterior: nunca mais ninguém me chamou de bolo fofo, ou bolo de bosta, ou picolé de banha, ou etc etc etc.
Quando emagreci, aos 15 anos, outra questão passou a me atormentar. Certo dia, sob a luz branca do banheiro bas fond do Cine Excelsior,  na Praça da Sé, no centro de Salvador, olhei para o mictório ao lado, e vi, juro que vi: homem branco, magro, não exatamente bonito, parecia ter o maior pênis de todo o planeta terra: longilíneo ao extremo, cheio de veias relevantes, duro como rocha, e glande similar a uma maçã, que bem poderia ser rotulado, e rotulei, em trocadilho infame, mas apropriado, de blig apple.
O homem deixou, generosamente, e prazerosamente, que eu apalpasse, encantado, aquela obra d´arte. Feito São Tomé, quis ver, e pegar, para crer – e peguei e cri – não havia como não crer.
Deu no que deu: passei os dias e os meses seguintes achando que eu e o meu amante que ficara no interior tínhamos os menores pênis do mundo – e, à época, na minha juvenil cabeça de pudim ter pênis menor do que o resto dos humanos seria a minha sentença de morte, o meu passaporte para o glamouroso, sempre glamouroso, mundo da insanidade mental.
Honra ao mérito: devo ao bravo exército brasileiro a cura  (então parcial)   desse trauma. Aos 18 anos, em 1972, foi tempo de me apresentar para ser selecionado, ou não, para o Serviço Militar Obrigatório.
Numa sala de cerca de cem metros quadrados mais de cem rapazes da minha mesma idade, totalmente nus, se deixavam avaliar por dois ou três sargentos com caras severas e botas polidas. Foi, como diria Wanderléa, a minha prova de fogo.
Invadiram-me dois medos básicos: 1. Inebriado pela plêiade de pênis in natura, eu tivesse algum nível de ereção, o que seria o mais extremado dos vexames. 2. Horror dos horrores, todos soubessem que eu tinha o menor pênis do mundo.
Nunca tinha visto tantos homens com pênis à mostra em toda a minha existência,  logo era chance imperdível de checar in locu o quão pequeno, ou não, eram o meu pênis e o do meu já então ex-amante. Concentrei-me ao máximo em lançar olhar prudentemente técnico à série de pênis que se alinhavam ao meu lado e à minha frente.
Flagrei pênis de todos os tipos, e constatei: entre  muitos pênis avistados e analisados, o meu mereceria uma nota 7,8. Havia mais rapazes com pênis menores do que o meu do que rapazes com pênis maiores do que o meu: o que me soou, na minha ainda cabeça apatetetada de pudim, quase epifânico.
Os sargentos começaram, com olhos de lince, a inspecionar os nossos corpos e cabeças e troncos e membros. Tremia-me todo. Mais ainda quando, diante, de loiro alto e gordo bem ao meu lado, um dos militares sentenciou, ao olhar-lhe a genitália: - Você quer pertencer aos quadros do nosso heróico exército nacional com essa minhoquinha ridícula pendurada entre as pernas?  E atirou para matar: - Dispensado!
Quando chegou a minha vez, eu petrificado, o mesmo sargento olhou-me de cima a baixo, apalpou-me as omoplatas e o peitoral, avaliou-me a genitália com certo deleite, talvez mesmo prazer, e disse ao auxiliar: - Esse tem chance. Anote o número dele! (Tínhamos placa que nos numerava penduradas nos pescoços).
Mesmo convicto de que o meu pênis era, digamos, competitivo, sempre precisei que me dissessem: eu não tinha o menor pênis do mundo. No começo dos anos 1980, quando morava em apartamento lotado de malucos-beleza na Ladeira da Fonte (mais exatamente no apartamento 903 do Edifício Solar da Fonte), no Campo Grande, em Salvador, resolvi andar nu o tempo inteiro dentro de casa. Alegava em defesa de minha sanidade mental: ´Eu quero assumir o tamanho do meu próprio pau!´
Meu pênis foi muito bem aceito pelos visitantes, eventualmente acariciado, eventualmente submetido a felatios, mas eu precisava mais evidências. Até que certo dia, amiga querida, daquelas que dizem tudo o que lhe vêm à mente, vociferou: - Deixe de viadagem Rogério Menezes! Vá vestir uma cueca já, seu sacana. O seu pênis é duas vezes maior do que o do meu marido, e eu sou uma mulher muito feliz com o meu marido, entendeu, eu amo o meu marido, entendeu? Vá pro caralho! Vá se foder!
O mundo girou, o mundo rodou, mas só fiz realmente as pazes com o meu pênis no final dos anos 1990. Participando de cobertura jornalística do Festival de Cinema de Gramado, no Rio Grande do Sul, conheci colega de profissão que se apaixonou, do nada, por mim. Eu havia acabado de romper casamento de 17 anos, e tudo o que não queria àquela altura da vida era casar de novo.
Enquanto isso, o jornalista cearense que me cortejava, antes de tudo um forte, colou em mim por alguns meses, e chegou a se instalar por semanas no meu apartamento em Brasília, e um dia esse jornalista cearense me fez torta declaração de amor, que me fez viver, a partir de então, em completa paz com o meu pênis.
Disse-me o rapaz do Ceará, em quase êxtase: - Eu te amo tanto cara, mas tanto, cara, que abrirei mão de três princípios básicos do meu desejo sexual. Só gosto de homens gordos, e você é magro. Só gosto de homens velhos, e você é muito novo (à época eu tinha 44 anos) Só gosto de homens de pau pequeno e o seu pau é grande.´
Não me casei com esse cara, e não me arrependo de não ter me casado com esse cara, mas devo a esse cara essa constatação óbvia: a de que o tamanho do pênis (P, M, G ou GG) é tão relevante quanto o fato de Claudia Leitte ter acrescentado um T ao sobrenome; ou de a carioca Gina McPherson ter sido eleita Miss Brasil 1960. Bull shit. Ou, em bom português: Merda de touro.
No mundo real não é bem assim, ou ainda não é bem assim: no mundo masculino (gay e não gay) o assunto é tabu. Homens (gays ou não gays) consideram a centimetragem dos pênis que carregam no meio das pernas segredo de estado, assunto absolutamente confidencial.

A exceção a essa regra poderá ser flagrada no mundo dos bem-dotados que fazem questão de exibir pênis  enormes - em sites da internet, em mictórios públicos, ou até mesmo por trás de árvores do meu sagrado Aterro do Flamengo - como se fossem medalhas olímpicas, Oscars ou prêmios Nobel. Pura psicopatia. Sem gelo.
Há quem diga: nos banheiros femininos frequentados por certa linhagem de mulheres, e entre amigas muito íntimas, o assunto é tratado com a seriedade com que tratariam  o bombardeio nuclear do closet delas no dia seguinte - e  centimetragens maiores ou menores dos pênis dos namorados ou maridos são computados com precisão suíça, e invejados ou não invejados com pathos rodriguiano.
A saga em torno do aumento do pênis se exerce em toda a plenitude no mundo da Internet. Quando digitamos aumento peniano no Google, em fugazes 13 segundos, aparecem mais de 4 milhões e 200 mil resultados. Quando eventualmente trocamos alguma letra do nosso objeto de pesquisa, anúncios oportunistas surgem do mais absoluto nada e anunciam milagres para aumentar o tamanho dos nossos pênis.
Donde se pode deduzir, lógica e dedutivamente: grande parte dos homens que habitam o planeta Terra, talvez mesmo a maior parte, se importa, e muito, com a centimetragem peniana que lhe foi delegada pelo acaso, ou por Deus em pessoa. Diagnóstico possível: essa gente faz qualquer merda – inclusive pendurar pesos de dois quilos na ponta do pênis durante horas – para tentar aumentar-lhe a genitália.
(O Google atesta: a média do tamanho do pênis em todo o mundo gira em torno de 13 cm, em estado de ereção. O meu, com três centímetros a mais que a média mundial, vai muito bem, obrigado, e sou feliz com o pênis que Deus ou o acaso me legou.)
A todo esse exército de babacas que se preocupam mais com o tamanho do pênis do que com toda esta colossal merda política, social e humana que nos afunda cada vez mais neste lodaçal sem ponto de escape visível a médio prazo, tenho apenas uma frase a dizer: - Vão se foder!







sábado, 15 de setembro de 2012

UM GENTIL JULIANO PARA CHAMAR DE MEU E SEU (OU FROM RUSSIA WITH LOVE)


Minhas relações com pessoas que trabalham em operadores de celulares são geralmente bélicas. Quando me ligam, no meio de caminhada no Aterro do Flamengo, ou à beira da conclusão de texto no qual preciso do máximo de concentração, não titubeio: antes que a moça ou rapaz da operadora x, y ou z diga o novo serviço que me quer enfiar goela abaixo, eu lhes mando solenemente tomar no olho do cu.
Não sei se vão. Deveriam ir. Mesmo assim continuam a me ligar – e eu continuo a esbravejar o brado de guerra de consumidor que odeia ter a sacrossanta rotina diária interrompida por essas vozes anódinas vindas do inferno consumista que nos cerca.
A deselegante prática é ainda mais cruel quando espero telefonema importante que poderá determinar o futuro da minha vida e, noblesse oblige, passo a vida inteira esperando telefonemas importantes que possam mudar para melhor o futuro da minha vida. Não recebi muitos. Mas já recebi alguns. Muitos outros virão. (Deus é pai, como dizia a minha avó Joana).
No meio de tarde na qual alguém do Portal X ficou de ligar para dar o sim ou o não a projeto editorial que lhe apresentara havia meses, o celular disparou como uma metralhadora giratória que mata vinte crianças brancas e negras por segundo, em carnificina apocalíptica em algum país do leste europeu. Pulei da cadeira num átimo, coração mais acelerado do que os tambores do Olodum, e ouço: - Senhor Rogério Menezes? Aqui é da operadora Y, o senhor não gostaria...?
Não pude evitar, foi mais forte do que eu – e eu bradei ainda mais irado do que o Deus-do-Velho-Testamento: - O que eu gostaria mesmo era que o senhor tivesse o seu traseiro imundo perfurado pelo pênis-punhal do Conde Drácula, seu filho da puta...
Não fiquei com nenhum sentimento de culpa. Ao contrário: desejei que o tal moço ligue de novo para que eu lhe pudesse repetir ainda mais torpes impropérios que o meu cérebro expeliria. Mas ele não ligou de novo, e eu fui obrigado a quebrar no chão duro da sala simpático boizinho de barro comprado em Olinda.
Tenho mais sorte quando me dirijo pessoalmente ao posto de revenda autorizada da operadora X da qual sou cliente desde que os celulares valiam quanto pesavam.
(Não sou desses intelectuais otários que se orgulham de nunca ter tido um aparelho celular na vida. Orgulhar-se de não ter um celular ao alcance da mão é tão importante para o futuro da raça humana quanto se orgulhar de dar peidos seriais no meio de elevador lotado. Inócuo. Inútil. Banal. Besta.
Numa frase: a banalização do orgulho).
Não resisto a novidades tecnológicas desde que a primeira geladeira – Gelomatic usada, na verdade usadíssima, cuja maçaneta prateada dava choque quando a tocávamos – entrou em minha casa – e isso aconteceu quando eu já tinha mais de oito anos de idade – e então pude, extasiado, constatar:  poderia encher cubas de gelo com sucos de tamarindos ou carambolas, e transformá-los em pequenos picolés que mastigava gulosamente, em quase orgasmo, ao voltar para casa no final das aulas.
Também não sou desses caras e dessas coroas que trocam celulares como trocam mulheres ou maridos. Sou fiel enquanto posso. Um celular comprado em 2008, absolutamente vintage apenas quatro anos depois, foi o meu fiel companheiro durante o tempo que passamos juntos: transmitiu-me boas ou más notícias; por meio dele coprotagonizei diálogos infames ou transcendentes; e nunca pifou nas horas mais difíceis. Enfim, amigo e amante como poucos.
Semana passada, sem motivo aparente, resolvi me desfazer dele. Fui à revendedora autorizada da Operadora X, que funciona em shopping center aqui perto de casa, e onde fui atendido como um paxá. (Ou me acharam com cara de rico excêntrico cheio de tatuagens, ou foram mesmo bem treinados pela corporação multinacional que lhes paga os salários).
Atendeu-me jovem de 21 anos chamado Juliano. Não era bonito. Não era feio. Olhou-me com desconfiança. Não deve ter me achado bonito. Nem feio. Mas ele era sedutor. Eu também costumo ser sedutor quando quero. Em questão de minutos, conversávamos fluentemente como se fôssemos velhos amigos; ou pai e filho.
Meu projeto era adquirir um desses i-phones de última geração, que até nos masturbam em momentos de solidão, a custo zero – e deixei isso claro para Juliano. Ele emergiu da tela do computador – onde deve ter chafurdado por todas as minhas fichas criminais e não criminais – e de lá tirou duas ofertas, nem tão tentadoras assim: a) modelo, digamos X+2, por 219 reais; b) outro quase tão bom quanto, digamos X+1,9, que me custaria a bagatela de 29 reais.
Pobre como milhões de Jós que vagam hoje como zumbis mundo afora, pechinchei: - Só levo o aparelho se me tiver custo zero!
Juliano me olhou com sorriso matreiro – um sorriso que abriria uma clareira no inferno se preciso fosse – e me massageou com a seguinte notícia: - Ok, o seu novo aparelho não vai lhe custar nada; vou reduzir o seu plano para um valor menor, o senhor paga mais internet do que usa, embora o senhor a use muito; e vou colocar um chip e outro número telefônico no seu aparelho antigo, que o senhor poderá utilizar paralelamente quando for necessário!
Depois de alguns necessários momentos de negociações com as sinapses eletrônicas do computador que monitorava, Juliano me liberou, com o sorriso matreiro de sempre no rosto, apertou fortemente minhas mãos – e tinha mãos firmes e viris – e disse quase displicentemente: - Amanhã ou depois vão lhe enviar uma mensagem na qual lhe será pedido que o senhor avalie o meu atendimento. Tudo bem?
Tudo ótimo. Se todas as pessoas que deparo em caixas de supermercados, farmácias, lojas, bancos e congêneres tivessem essa elegância no trato que Juliano tem, que maravilha viver.
Epílogo 1: Agora já posso dar minhas caminhadas diárias pelo Aterro do Flamengo com o meu celularzinho vintage reserva enfiado no bolso lateral da bermuda vagabunda, sem temor de que os muitos ladrões de bicicleta que atuam na área, e já os conheço todos, me pulem na jugular – eles preferem celulares mais up-to-date como o que agora deixo em casa e uso apenas nas poucas reuniões externas de trabalho que tenho.
Epílogo 2: No dia seguinte, a operadora X me ligou pedindo, por meio de notas de zero a 10, que eu avaliasse o desempenho de Juliano. Incorporado de certo pathos assumidamente surrupiado de Márcia de Windsor – belíssima mulher que costumava só dar notas dez nos programas de calouros nos quais participava como jurada nos anos 70 –, sibilei, caprichando no sotaque carioca: - Déissssssss!
Juliano merece. (Já sei em quem votar nas próximas eleições para prefeito do Rio de Janeiro).
PS: Blogs têm sistema de acompanhamento de leitores ao redor do mundo. Nestes quase dois anos que escrevo este Lobo No Ar, a maioria absoluta de leitores que me acessam são do Brasil. Seguido, à certa distância, pelos Estados Unidos e Inglaterra. Eventualmente sou surpreendido por acessos realizados em países nos quais eu jamais imaginaria existisse alguém interessado em me ler: tipo Malásia e Kosovo.
Mas o que vem me intrigando nas últimas semanas é o espetacular aumento do índice de leitura do meu blog na Rússia. Não tenho parentes lá. Não tenho amigos lá. Quem me lerá na Rússia? Tomara que sejam os fantasmas de Dostoiévski, Tolstói e Turguêniev!  Por isso o subtítulo de meu post de hoje: From Russia With Love, nome de filme da série James Bond, de 1963, protagonizado por Sean Connery.
A propósito, Sean Connery poderia fazer o papel desse Juliano carioca que me tratou com a gentileza que todo ser humano deveria tratar outro ser humano.