domingo, 27 de novembro de 2011

PARIS PODE SER AQUI NO MEIO DO CAOS DO RIO DE JANEIRO (OU O ELOGIO DA TRAIÇÃO)

O mar não está pra peixe. A amada Paris é logo ali. Há apenas o  Oceano Atlântico entre mim e Paris, e entre Paris e mim. Mas, ai de mim, Paris e eu não nos vemos há oito anos. Morro de saudades. Sei que é amor não correspondido. Mas não faz mal.
Amo Paris mesmo assim.
Mesmo sabendo: Paris não dá bola para mim.
Mesmo sabendo: Paris nunca escreve para mim.
Mesmo sabendo: Será  mais fácil camelo e elefante abraçados passarem pelo buraco de uma agulha do que este anônimo cronista do terceiro mundo conquistar algum dia o coração de Paris.
Fazer o quê? O amor é assim, incondicional. Sem temores. Sem sentido. Sem lógica aparente.
Se o amor é condicional não é amor – é tédio – é o fim do caminho. Pode devolver.
Amo Paris incondicionalmente.
Mesmo sabendo: a) tenho rivais sem conta no mundo inteiro.  b) o coração de Paris é disputado por milhões de terráqueos. c) não tenho a menor chance de algum dia conquistar o amor de Paris.
Paris é o meu homem inacessível.
Paris é a minha mulher inacessível.
Paris é a cidade que eu quero ter nos braços quando morrer.
Mesmo que more no Rio de Janeiro – e o Rio de Janeiro e Paris sejam, cada uma ao seu modo, as cidades mais bonitas do mundo.
Confesso a minha infidelidade, o homem é infiel, sou homem como outro qualquer, logo, a infidelidade é como se nos fosse segunda pele: amo o Rio de Janeiro e amo Paris com a mesma intensidade, e a mesma força dramática, e o mesmo frenesi no baixo ventre.
Já troquei o Rio de Janeiro por Paris várias vezes. Já troquei Paris pelo Rio de janeiro várias vezes. Agora parece que para todo o sempre.
Moro no Rio de Janeiro há quatro anos, depois de inúmeros flertes ao longo de décadas. Penetro e desbravo as ruas do Rio de Janeiro desde sempre. Adoro penetrar e desbravar as ruas do Rio de Janeiro. Mas também adoro desbravar e penetrar as ruas de Paris.
Meu sonho de consumo: ter e possuir e penetrar e desbravar Paris e Rio de Janeiro num ménage-a-trois  do balacobaco, transatlântico.
Aviso aos navegantes: esta é a crônica de uma traição anunciada, e celebrada.
Assim que der, assim que puder, assim que a sorte virar, assim que o mar voltar a estar para peixe, pego o primeiro avião e vou  (re)penetrar e (re)desbravar Paris. Mas, depois, biensûr, batata, pego o primeiro avião de volta e (re)penetrarei e (re)desbravarei o Rio de Janeiro.
Enquanto não dá, enquanto não posso, enquanto a sorte não vira, enquanto o mar não está para peixe, resolvi trair o Rio de Janeiro com Paris, em pleno Rio de Janeiro. Pode ser jogo perigoso. Pode virar peça de vaudeville. (Mais ou menos assim: trair Nair na casa de Joaquim. Ou trair Miguel na casa de Soraia.  
Mas viver não é, e sempre foi e sempre será perigoso?
Então a ideia é: trair Joaquim/Nair na casa de Miguel/Soraia sem culpa alguma. Em público. Em plena via pública.
Em manhã nublada deste novembro às vezes solar, às vezes sombrio – tal e qual eu tu, ele, nós, vós, eles: cometi adultério à luz do dia, cercado de cariocas por todos os lados.
Não, não me entenda mal. Não sou traidor exibicionista. Daqueles que fazem questão de revelar, e de sentir prazer em revelar, a Nair/Joaquim que está lhe traindo com Miguel/Soraia. Mas aconteceu. Acontece.
Em manhã nublada de novembro encaminhei-me para a Praça Paris, no bairro da Glória, nos calcanhares do centro do Rio de Janeiro, nas barbas da Cinelândia. É a mais parisiense das praças cariocas. Mais exatamente: trata-se de simulacro bastante crível de algumas praças parisienses.
(Neste ponto, o Rio de Janeiro parece ser mais generosa com Paris, do que Paris  com o Rio de Janeiro. Desconheço a existência de qualquer Place Riô de Janeirô na capital francesa).
A equação: 1) O nublar do céu. 2) A temperatura não exatamente tórrida, quase fresca. 3) A fonte luminosa na qual golfinhos emitiam potentes jatos d´água. 4) Passarinhos que depositavam dejetos em cabeças de estátuas impassíveis. 5) Garças longilíneas que voam rasante, daqui para ali, e dali para aqui. 6) Bancos nos quais velhos e jovens liam jornais ou simplesmente sentiam o tempo passar sem pressa em dolce far niente inesperado em meio ao caos das cercanias.
O resultado: atmosfera extremamente propícia  para que a (minha) traição se dê, sem sobressaltos, sem flagrantes inoportunos.
Penetrei e desbravei a Praça Paris quase uma dezena de vezes. Senti-me, de fato, em Paris, sem ir a Paris, e sem gastar um tostão sequer em Paris, e sem que a minha sorte tenha virado, e sem que o mar voltasse a estar para peixe.
Dei dez voltas completas pela Praça Paris. No fim da deliciosa caminhada, completamente satisfeito, inclusive sexualmente, (cidades e homens têm para mim o mesmo poder tantalizante),  voltei a pegar o caminho de casa.
Foi quando levantei a cabeça em direção a boreste – e não vi a Torre Eiffel – e não vi Montmartre – e não vi o Beaubourg – e não via a Catédrale Notre Dame de Paris.
O que vi, e me assustei com o que vi, caro leitor, foi o magnânimo e majestático Pão de Açúcar. Espécie de torre de vigia, sempre alerta, como se fizesse questão de presenciar, e revelar que presenciava, esse (meu) ato de traição pública.
Senti-me pouco à vontade. Tal e qual sentir-me-ia se, após noitada romântica com Joaquim/Nair, avistasse, e fosse visto, ao sair de algum hotel vagabundo da Lapa,  por Soraia/Miguel.
Fazer o quê? Fiz cara de paisagem, dei de ombros, e voltei a flanar pela Praça Paris.
Problema: nesse flanar derradeiro, não consegui mais me concentrar em Paris, e motivos havia para não mais me concentrar em Paris.
Ao olhar para fora das grades que cercam a Praça Paris, onde a Glória fervilha;  e vestígios fétidos da Lapa se insinuam; e mendigos ao deus-dará dormem sob marquises ou sob lugar nenhum; e o vigor e o regurgitar frenéticos do centro da cidade do Rio de Janeiro já se fazem tangíveis, reencontrei novamente o Rio de Janeiro que amo (tanto quanto Paris): caótica, confusa, barulhenta, miserável, malcuidada, mas, ainda assim, bela, belíssima.
Paris e Rio de Janeiro são mulheres/homens belos/belas de belezas de naturezas absolutamente diversas. Amo, e amarei, ambas para sempre, de maneira equânime.
O mal-estar ao olhar para o que acontecia fora da Praça Paris adveio do seguinte fato: avistei, a poucos metros uns dos outros, taxistas que desciam dos seus carros amarelos e urinavam em árvores, nas grades da praça, e onde lhes dessem na têmpera.
Sugestão ao alcaide desta combalida, mas esplendorosa urbe: distribuição de fraldas geriátricas para os taxistas do Rio de Janeiro.
Caro leitor: a saudade de Paris bate forte, mas a possibilidade de ir até lá  nos tempos porvir é mais remota que a última batucada? Visite a Praça Paris, na Glória.
Vale a pena, ainda que, entre reminiscência e outra de Paris, o olhar do caro leitor possa flagrar a genitália desnuda de alguma taxista fazendo xixi em via pública.  
Sejamos mais flexíveis: esse choque, digamos, paisagístico será salutar. O mundo nunca foi; não é; nem nunca será coisa só, e sólida. A vida, idem. Nós, também.
Ou seja, precisamos de Paris. Precisamos do Rio de Janeiro.
Confesso: sou dependente químico de uma e de outra. Uma – em veia do braço direito. Outra – em veia do braço esquerdo.  
Ou do jeito que vier eu traço. A vida é curta.










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