sábado, 26 de janeiro de 2013

LIÇÕES DO LIVRO NEGRO DO CAMARADA MAU TSÉ-KING-KONG (OU O DIA DO JUÍZO ANAL)


Incomoda-me menos, embora me incomode muito, a maneira como o ser humano trata a natureza do que a maneira como o ser humano trata o outro ser humano, e os animais em geral. [`O homem não tem vantagem alguma sobre o animal´, Eclesiastes, capítulo 3, versículo 19].
Ok, o homem trata a natureza como se da natureza não precisasse, como se dela prescindisse. Em uma única palavra e uma palavra curta: vil.
Tratamos mal não apenas a natureza, mas também Os animais em geral e os que pertencem à nossa própria espécie - e se duvidarem, estriparemos gatos de lindos olhos azuis sem pestanejar, e mataremos crianças em escolas ao redor do mundo, sem motivos aparentes, que, bem da verdade, são absolutamente aparentes: estamos completamente à deriva.
Jogarmos lixo no mar. Entupirmos bueiros com nossas porcarias urbanas. Lixarmo-nos para as ações poluidoras em torno de subaés mundo afora. Mijarmos nas raízes das árvores frondosas do planeta. Não bombardearmos em massa fontes poluidoras que pesteiam os nossos ares e os nossos sangues. Essas (não)ações evidenciam a nossa vilania atávica e genérica e genética em relação ao outro, ao que não está dentro de mim & logo não faz parte do meu equipamento básico de sobrevivência, – e menos a escolha deliberada de foco específico no qual os seres humanos pudessem despejar todas as nossas maldades e desopilar todos os nossos recalques.
Simples assim: a nossa relação eternamente predadora com a natureza não é a mais nem a menos incorreta, e nem a mai nem a menos indigna, e nem a mais, nem a menos deletéria das práticas humanas. [Respiro, logo sou imperfeito]
Claro, noblesse oblige, essa nossa relação eternamente predadora com a natureza e com o outro é uma das evidências mais significativas de que não merecíamos ter nos expandido como espécie. No  seminal romance Caim, de José Saramago, o autor português constrói fábula genial na qual todos os homens da Arca de Noé que sobreviveram ao dilúvio são deletados da face da terra; restaram apenas mulheres, e mulheres se relacionam sexualmente de maneira plena, mas não procriam. Ato contínuo, a raça humana extinguiu-se: ideia que Deus, ou quem de direito, preferiu não adotar, e Deus, ou quem de direito errou: não evitou a tragédia de existirmos.
Existimos, e fazemos e acontecemos como se fôssemos o rei dos animais. Agimos e procedemos e pensamos como se fôssemos deuses encarnados, sejamos, médicos, jornalistas ou rainhas de bateria de escola de samba. Com as honrosas exceções de praxe, que confirmam a regra, cagamos e andamos para o que não é espelho: o vizinho, o colega de trabalho, o homem ou mulher que nos abordam na escada da igreja pedindo ajuda, o morador de rua, o gato, o cachorro, e last but not least, a natureza.
Ferramo-nos. se há algo no mundo, daqui do Baixo Botafogo até os rincões mais longínquos das galáxias que realmente importa, a ponto de ser a materialização possível de Deus (o do Antigo Testamento, e de todas os testamentos e de todas as fés), esse alguém atende pela alcunha de Natureza. Implacável, sem nenhuma moral hipócrita burguesa a lhe nortear. Age impulsionada por motores (e não motivos) absolutamente intrínsecos. Não tem a menor noção de que possam existir homens bons e homens maus (como, de fato, não existe) e, crianças e adultos (como, de fato, existe). Na hora H, da hecatombe cósmica definitiva, levará o santo e a porca, a virgem e a imaculada, Ceci e Peri, com a mesma e colossal fúria.
Há certo pensamento ecológico impregnado de santa ingenuidade que, de alguma maneira, humaniza a natureza: a de que a toda-poderosa age em resposta, divina vendeta, aos desmandos que praticamos.
Tirem as crianças da sala, mas sabem o que realmente infiro? Dona Natureza está cagando e andando para essas ações deletérias que cometemos ditas antiecológicas, em particular, e para o ser humano em geral – o que demonstra, além de tirana e sanguinária, essa draconiana senhora não está nem aí para o fato de existirmos ou não existirmos.
Quem manda é a natureza. O dono do terreiro é a natureza. O Deus psicopata do Antigo testamento é a Natureza travestida de velho sábio com barbas brancas e túnicas esvoaçantes. Enfim, a natureza, é o cara, meu caro leitor – e não tem pra mais ninguém. Nas mãos dessa senhora implacável somos menos que nada. Finito!
Estatísticas e previsões devastadoras e alarmistas, recheadas de remissões apocalípticas, exploradas ad nauseum por todos os polos midiáticos do Planeta Terra são tentativas de provar o improvável, de demonstrar o indemonstrável. A natureza, para desespero do mundo midiático, não tem lógica alguma, noção de culpa alguma – e não tem, que bom, um cérebro eletrônico ou não eletrônico, que a comande. Em síntese: não procede tal e qual aquele personagem vingativo de um filme de Quentin Tarantino, cheio de primeiras, segundas, e terceiras intenções. A natureza não tem emoção alguma. A Natureza não tem intenção alguma.
Quando a natureza nos esmaga, e ceifa milhões de nós,  ou esfria ao mínimo e esquenta ao máximo o planeta, ou faz tremer a Terra, ou cria tsunamis devastadores, não pretende emanar nenhuma lição de moral para nós, terráqueos pecadores ou não, assassinos ou não, corja de velhacos ou não, a escória da escória ou não etc etc etc. A natureza faz o que quer. Honra ao mérito: é incorruptível. Não é por sermos melhores ou piores no quesito virtude e generosidade que nos salvaremos. Não será por deixar de jogar lixo no mar – hábito que defendo, por motivos mais triviais: deveríamos ser mais rigoroso na limpeza de nossa ´casa´ -  ou salvar baleias encalhadas em uma praia qualquer do planeta que nos tornaremos imunes a ação fulminante da Natureza.
Os seres humanos, pelo menos o das grandes cidades, mais vulneráveis às ações midiáticas, de vez em quando, sabendo o quão a Natureza é inflexível, tentamos tentar negociar o inegociável: promovemos ações para-a-imprensa-ver que limpam praias, que salvam vidas de tartarugas, que desentopem bueiros urbanos, que...
Não acho que devamos parar de agir assim. É o básico. Que continuemos fazendo. Isso faz parte, ou deveria fazer, do pacote do que se convencionou chamar, mentirosamente, há alguns séculos de homem civilizado.
Mas não esperemos nada em troca: quando a natureza bafejar sua fúria sobre nós, não ficará nada sobre nada.
Mas relaxemos. Não nos apavoremos com a natureza selvagem da Natureza. Se algum dia o apocalipse abrir as asas sobre nós, não saberemos nada com antecedência. O que será um bálsamo. Disse e repito: a Natureza não tem amigos jornalistas, ou em quaisquer outras profissões, e essa informação privilegiada não chegará à redação de nenhum polo midiático do planeta Terra.
Se algum apocalipse acontecer e quando algum apocalipse acontecer for, será mais ou menos assim, presumo e desejo, bem minimalista: bum!; ou pum! – e não se fala mais nisso.
O apocalipse não me apavora.
A morte não me apavora.
O que me apavora é o homem – e dentre esses homens se inclui o meu rosto projetado no espelho na hora de me barbear.




  








Nenhum comentário:

Postar um comentário