segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO GATO


Houve um gato muito querido na minha vida. Quase um namorado. Olhava-me com tamanho ar de transcendência que parecia querer me dizer alguma coisa, ou me contar algo, talvez um segredo. Era tamanha a insistência com que ele me olhava, de maneira tão candente e tão perscrutadora, que sempre lhe perguntava: - Há alguém aí? Há alguém aí?
Ele, claro, não dava nenhuma pista. Sequer piscava os olhos. Queria crer, mesmo sem ser um espiritualista de quatro costados, que se ocultasse por trás daqueles lindos olhos verdes os olhos lindamente azuis de minha mãe Águida (1914-1976) ou os olhos lindamente castanhos de meu pai Crispim (1914-1988).
Gatos não falam. Não no nosso idioma, ou em qualquer outro ensinado nos yázigis do planeta. Mas pensam – e pensam mais e melhor que a maioria dos seres humanos: pelo menos, quis e quero, e devo, crer que sim. Mas nos amam, e nos amam mais do que qualquer homem ou mulher serão capazes de amar  outro homem ou outra mulher: pelo menos quis e quero, e devo, crer que sim.
Mesmo doente, mesmo quase morto-vivo, esse gato mantinha o mesmo olhar transcendente e inescrutável. Mesmo morto – morreu num cesto de vime, afundado em almofadas, ao lado de minha cama, enquanto eu dormia – não fechou os olhos, e os manteve escancarados, firmes em direção ao meu rosto, como se desejasse que os olhos dele se fundissem com os meus e que, a partir daquele momento, eu olhasse o mundo e a vida a partir dos olhos dele.
É o que venho tentando fazer. Desesperadamente. Desde quando o vira-lata Ravic morreu em 19 de fevereiro de 2006. Homem algum jamais terá a leveza e a aura de um gato. Muito menos eu, 77 quilos, 1,76 centímetros de altura, 59 anos, e usando o planeta Terra, com todas as suas agruras, à guisa de boné.

3 comentários:

  1. Querido velho amigo. Hoje dei por mim lembrando de tempos idos e você me apareceu na memória. Fui à luta, melhor, à busca, e aqui está você. Que bom que esta vivo e bem, sempre escrevendo, sempre interessante.

    Eu ainda estou aqui em Salvador, filhas criadas, e levando a vida. Um grande abraço.

    Eulina (hum, será que você lembra? Bolota é o nome ainda, para algumas pessoas.)

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  2. Houve um gato muito querido na minha vida. Quase um namorado.
    Maravilhoso Rogério Menezes

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  3. Eu tive uma historinha com Ravic. Você nem sabe... Um dia eu conto... ;)
    Saudades de ti, meu querido.

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