segunda-feira, 23 de julho de 2012

O HOMEM SEM NOME QUE QUER COMPRAR A FELICIDADE COM A MOEDA N. 1 DO TIO PATINHAS


Era uma vez homem sem nome que chegara ao zero absoluto, ao cu do cu.
Sabe-se lá por quais desatinos da vida, perdeu tudo e mais um pouco. Desempregado. Esquecido pelos amigos. Abandonado pela namorada. Morava agora em quarto vagabundo de modesto hotel para cavalheiros da rua Mem de Sá, na Lapa.
A mensalidade era paga pela irmã amorosa - a única que ainda fazia alguma questão de que ele continuasse existindo - às escondidas do marido que achava o cunhado irremediável vagabundo que devia sumir da face da Terra.
Só comia de vez em quando, graças também ao dinheiro que a irmã amorosa lhe doava, sempre  às escondidas do marido que achava o cunhado um irremediável vagabundo que devia sumir da face da Terra.
Numa palavra: fodido.
Em certa manhã de domingo o homem sem nome queria comprar jornal para descobrir se alguém se interessava pela força de trabalho de homem sem nome, mas homem sem nome que sabia a diferença entre Federico Fellini e Luchino Visconti, entre Billy Wilder e William Wyler, e entre A Montanha dos Sete Abutres e Crepúsculo dos Deuses 
Parece filme B, mas é a pura verdade: o homem sem nome fora crítico de cinema anos a fio desse jornal que agora tenta em vão comprar para ver se alguém se interessa pela força de trabalho que talvez ainda possa significar.
Não, o homem sem nome não quer ler o jornal para ver se encontra vaga para crítico de cinema – na verdade o homem sem nome quer, a essa altura da vida, que Luchino Visconti e Billy Wilder se fodam.
Agora quer apenas ganhar alguns trocados vendendo cafezinho em boteco sórdido do subúrbio de Cavalcanti ou de Marechal Hermes; ou engraxar sapatos de homens apressados que trotam pela Avenida Rio Branco; ou seja lá que porra for que surja para fazer.
O homem sem nome tinha exatamente R$ 3,45 no bolso. O jornal que desejava comprar custava R$ 3,50. Àquele época, o homem sem nome perdera tudo menos a pose: sentia-se incapaz de chegar até algum dono de banca de revista e pedir para que lhe vendesse o jornal que tanto precisava por essa quantia.
Preferiu sair pelas ruas centrais do Rio de Janeiro, olhos fixos no chão, tentando desesperadamente achar moeda de cinco centavos. Otimista por um segundo, teve certeza: ia achar essa quantia irrisória. Por que não? Já não achara uma vez nota de R$ 10 e em outra vez nota de R$ 2?
Não nessa manhã de domingo. Nessa manhã de domingo o homem sem nome não achou nada, absolutamente nada – e ficou sem saber se alguém poderia precisar-lhe da força de trabalho.
Antes de voltar para o modesto hotel para cavalheiros da Lapa, gastou os R$ 3,45 na gororoba possível de ser comprada por esse valor.
O tempo passou. O homem sem nome – (agora totalmente sem eira nem beira, sem mais pose alguma; a irmã amorosa se mudara, a contragosto, para Xapuri, no Acre; fora despejado do hotel para cavalheiros da Mem de Sá) – virara morador de rua.
Dia sim, outro também, arrasta seus teréns pelas ruas do centro do Rio de Janeiro: roupas velhas, caneco de louça ornamentada com a tour Eiffel, e velha Playboy, garimpada na esquina da rua Taylor com a Rua da Lapa.
Essa publicação, o grande xodó do homem sem nome, exibe na capa  Sandra Brea sorrindo lascivamente e cobrindo-sem-querer-cobrir os belos seios, e, nas páginas internas,  aparece nuinha e gostosona. Já a homenageou dezenas de vezes em noites frias e solitárias, e, enquanto eu existir, ainda pretende homenageá-la outras dezenas de vezes.
O homem sem nome come frutas deixadas nas calçadas em dias de feira. Frequenta de vez em quando bandejões de verão e sopões de inverno que pipocam aqui, ali e acolá para acudir gente como esse homem sem nome.
Assim vai levando a vida.
Quase chorou de alegria quando, há algumas semanas, em canto imundo do Campo de Santana achou enfim aquela moeda de 5 centavos que tanto falta lhe fez naquele domingo de antanho para comprar o jornal no qual talvez lhe encontrasse o caminho da redenção.
Guardou-a como se fosse a joia mais preciosa usada por Elizabeth Taylor em Cleópatra. Guardou-a em lugar tão secreto que nem para mim, o cronista que lhe conta a história para a posteridade, revela o esconderijo.
O homem sem nome agora cada vez mais beato, cada vez mais crente na possibilidade de alguém lá em cima zelar por ele, crê com veemência: esses 5 centavos encontrados no meio do nada lhe será o que fora a moeda número 1 para o  Tio  Patinhas – e sonha todas as noites saindo dessa vida de opróbrios e comprando apartamento de milhões de dólares lá pelos lados do Leblon.
O homem sem nome sabe, à Frank Capra, cineasta que idolatrava: a felicidade não se compra. Mas, mesmo assim, quer tentar.




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