segunda-feira, 16 de julho de 2012

DEUS MORA NA PENSÃO DE DONA MARIA, NO RIO DE JANEIRO, E EU NÃO SABIA (OU OH MY GOD!!!)


1
O celular raramente toca. Quando toca, para o meu desespero, geralmente estou no banheiro, fazendo o que geralmente fazemos em banheiros.
Voltou a acontecer no fim da manhã de sexta-feira. Tomava energética ducha gelada, depois de vinte quilômetros de caminhada inspiradora, e o celular disparou freneticamente na minha mesa de trabalho, na sala ao lado. Entrei em pânico. Nunca sei bem o que fazer em situações assim.
Ok 1: tem a caixa de voz na qual as pessoas podem deixar mensagens urgentes e não urgentes. Mas as pessoas usam cada vez menos a caixa de voz, pelo menos a caixa de voz do meu celular.
Ok 2: ficará também registrado o número de quem ligou.
O meu impulso imediato é pavloviano: correr, em ritmo de alta ansiedade, totalmente ensaboado pelo pequeno corredor, e atender à bendita (e que bom que fosse) ou à maldita  (o que normalmente é) ligação.
A pergunta é: e se for alguma operadora de celular oferecendo algum novo serviço, fosse por meio de gravação, fosse por meio de pessoas físicas?
Já corri ensaboado antes. Já quase escorreguei no chão de ardósia recém-encerado antes. Já molhei todo o caminho percorrido antes. Já atendi o telefone antes, e ao atender o telefone antes, sempre ansioso por alguma notícia alvissareira antes, ouvi voz melíflua antes: - Senhor Rogério Menezes? Aqui é da operadora X, o senhor gos...
Puto da vida, desligo o celular na cara do sujeito ou da sujeita. Volto para o meu banho interrompido. Deixo a ducha gelada me transformar num homem de gelo que não se importa, nem – doce delírio – se importará jamais com essas pequenas grandes aporrinhações inesperadas que nos tiram do sério, embora não devessem, porque essas aporrinhações inesperadas não mudarão milímetro sequer de nossas vidas.
São apenas pequenos incidentes de percurso que nunca mudam o rumo de nossas vidas – e talvez por isso essas pequenas aporrinhações nos aporrinhem tanto – não servem para nada – não mudam em nada o rumo de nossas vidas – servem apenas para nos azucrinar com coisas que não devem nos azucrinar, já que a vida é suficientemente cheia de problemas reais que, de fato,  nos azucrinam – e nos azucrinam de maneira infame e implacável e irremovível.
2
O celular toca. Sob a ducha gelada encaramujo-me prazerosamente e ouço o telefone tocar na mesa de trabalho da sala ao lado. Deixo estar. Foda-se.
Em seguida ao foda-se placa luminosa emerge no meu cérebro gelado com as seguintes imprecações: - E se for ligação importante? E se for Deus em pessoa convidando-me para aquele projeto de trabalho tão sonhado? E se for Deus em pessoa, ao não ser atendido na primeira ligação, Ele não se voltará contra mim e não recuará dessa proposta de trabalho tão almejada? Preciso atender, preciso atender, preciso atender...
A ducha gelada neste friozinho carioca de julho me inebria e me afoga num prazer inenarrável, e tomo coragem, e esbravejo para o meu superego que nunca para de me atormentar: - Foda-se. Mesmo se for Deus em pessoa eu não sairei desse mar de delícias que essa ducha gelada me proporciona, que esse Deus em pessoa se foda se for realmente Deus em pessoa que estiver me ligando.
O celular para de tocar, e desejo ardentemente que volte a tocar, mas o celular não volta a tocar, e eu me entristeço, e deliro: – Deus em pessoa deve ter ficado puto da cara por eu não ter atendido, e desistiu, Ele não  mais me chamará para aquele projeto de trabalho tão almejado.
Forço a barra, e fico mais uns dois minutos gelando tudo em mim. As pontas dos dedos da minha mão estão murchas como flores murchas. O  pênis e os testículos, murchos como frutos murchos. Então penso: tornar-me pedra de gelo, que não se abala com nada, que não se aflige com nada, que grita foda-se sempre que a barra pesa,  que sonha apenas em se transformar em enorme iceberg e deslizar oceano Atlântico abaixo, pode ser ótimo projeto de vida para o resto dos meus dias.
Não consigo virar pedra de gelo, não por enquanto, e o cérebro dispara, e eu imagino que se Deus em pessoa não voltou a ligar, Ele deve ter deixado recado na caixa de voz.
Fecho a torneira, a água gelada para de cair. Tremo-me deliciosamente tal e qual cachorro pós-banho no pet shop que o dono e senhor sempre o leva. Enxugo-me exaustivamente. Percebo que as pontas dos dedos da mão, o pênis e os testículos já estão menos murchos.  Cubro-me com o roupão azul – e... disparo como uma flecha para a sala – e agarro o celular com fúria – e checo se há algum recado de Deus em pessoa na caixa de voz – mas não há nenhum recado de Deus em pessoa na caixa de voz.
Penso em voltar ao banho gelado e ficar ali virando pedra de gelo até me transformar em iceberg.  
Então surge fiapo de esperança: acesso as mensagens perdidas e lá existe número novo, não identificado, sem nome algum ao lado, apenas um número qualquer, e como Deus em pessoa nunca me ligara antes talvez possa ter sido de fato Ele que me ligara. Percebo também: a ligação é do Rio de Janeiro, e esse Deus em pessoa que espero que me ligue mora no Rio de Janeiro.
Donde pude e quis deduzir que fora de fato Deus em pessoa que me ligara e não me deixara recado. Talvez tenha preferido não deixar mensagem de voz. Talvez tenha querido me dar a notícia pessoalmente. Mas o Cara podia pelo menos ter dito que ligou e me pedido que ligasse de volta. Simples assim.
Confortei-me: – Porra, meu, Deus em pessoa não é desses caras que deixam recados em caixa de voz alheia.
Resolvi discar o número registrado no celular e falar com Deus em pessoa. A essa altura já tinha certeza que fora Ele que ligara, Ele, Deus em pessoa, o Todo-Poderoso, o Rei da Carne de Seca, o mandachuva dos sete mares, o pai-o-filho-e-o-espirito-santo. Ele. O Cara.
Disquei 2 6 3 4 1 4 9 1.
Deu ocupado. Bom sinal. Deus em pessoa deve ter telefone muito disputado, quis crer.
Liguei de novo. Ocupado. Ocupado. Ocupado. Ocupado. Ocupado. Ocupado.
Enfim alguém atendeu: era mulher. Então Deus em pessoa está mulher agora? Pelo menos até ontem esse Deus em pessoa de quem esperava ligação era homem.
Dei de ombros. Deus em pessoa pode ter o sexo que quiser e bem entender. Ele pode tudo.
Então ousei perguntar: – De onde falam, por favor.
Do outro lado da linha, voz feminina rasteira e vulgar balbuciou: - É da Pensão de Dona Maria...
Ouvi bem, mas fingi que não ouvira direito, e insisti: - Desculpe, não entendi. De onde falam, por favor?
A voz feminina rasteira e vulgar fuzilou: - É da pensão de Dona Maria, caralho! O senhor é surdo?
3
Putaquepariu.





 
.


  

Um comentário:

  1. Oi Rogerio. Saudades. Sempre que dá leio seus posts. Deus é meo retrogrado acho. Ele não gosta de modernidades. Não usa celular. Só fixo. E-mail... nem pensar. Beijos. Nei

    ResponderExcluir