segunda-feira, 6 de agosto de 2012

UM CRISTO SÓ NÃO BASTA: O RIO DE JANEIRO TAMBÉM INVOCA SÃO SEBASTIÃO & SÃO JORGE



Na noite de 5 de abril de 2010 choveu a cântaros no Rio de Janeiro. Tal e qual, parecia, chovera na fictícia cidade de Macondo, de Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez. Temi que cariocas e não cariocas pudéssemos viver sob chuva nos quatro anos onze meses e dois dias seguintes, feito acontecera na cidade mítica do romance do escritor colombiano. 

Meno male: choveu apenas um dia e meio. Mas foi o suficiente para transformar por inteiro a paisagem da capital carioca, e me impedir de fazer a minha caminhada diária sagrada em 6 de abril de 2010: tudo estava alagado e coberto de lama.

Pela internet e pela tevê acompanhei tudo em tempo real. Aconteciam desmoronamentos em favelas; automóveis eram levados pela correnteza; a ressaca batia estrondosamente nas praias da Zona Sul; casebres mais íngremes e localizados em zona de risco desabavam como se fossem de papel; e, pior de tudo, dezenas de pessoas morreram pelos quatro cantos da cidade.

As tevês transferiram às pressas âncoras dos noticiários mais importantes, que sempre permaneciam nos estúdios, para o calor da hora, para apresentar os fatos diretamente dos locais onde as tragédias ocorriam. Olhava pela janela do quarto, e a bucólica Praça Mauro Duarte aqui ao lado, em Botafogo, parecia caudalosa piscina com ondas que iam bater nas casas e prédios das ruas vizinhas. 

(Dia seguinte, aproveitei trégua da chuva, que não mais voltou a ocorrer na mesma intensidade, e passeei por uma cidade absoltamente devastada).

Duas semanas depois, cidade já menos devastada, e com quase tudo voltando aos lugares de antes, inclusive as pedras que margeiam o mar da Baía de Guanabara, inclusive os vendedores de coco, inclusive os ladrões de bicicleta que roubam correntinhas de ouro diuturnamente no Aterro do Flamengo, inclusive pedaços de pista de caminhada que vai do Botafogo ao Flamengo.

De repente, ouvi o seguinte diálogo: 
Mulher 1 – Você sabe por que aconteceu essa tragédia das chuvas que mataram tanta gente há duas semanas atrás? 
Mulher 2 – Não, não sei. 
Mulher 1 – Foi porque taparam a imagem do Cristo Redentor com aqueles tapumes gigantescos. 
Mulher 2 – Será? 
Mulher 1 – Foi sim. Os cariocas já deviam ter aprendido: sempre que fazem alguma obra lá no Corcovado e o Cristo Redentor fica impedido de ver o que acontece aqui embaixo alguma desgraça nos acontece. 

Em dúvida  (será que o Cristo Redentor teria todo esse poder que essa carioca típica disse que Ele tem), continuei minha caminhada torcendo contritamente para que os tapumes gigantescos que cobriam parcialmente o Cristo Redentor fossem retirados o mais rapidamente possível.

Tempestades desse porte nunca foram novidades no Rio de Janeiro. Na verdade, chuvas torrenciais costumam marcar presença em todos os verões da ‘cidade maravilhosa’ desde sempre. Nos anos 1960, ficaram tragicamente célebres diversas enchentes que mataram centenas de pessoas e deixaram milhares de desabrigados.

Em janeiro de 1966, o próprio Cristo Redentor, eventualmente alçado à condição de responsável pelas condições climáticas adversas que nos arrebatavam por certa parcela do povo carioca, foi – casa de ferreiro, espeto de pau? – uma das principais vítimas dos fortes aguaceiros que ocorreram à época: funcionários ficaram isolados no alto do Corcovado; a enxurrada desceu as encostas destruindo tudo que encontrava pelo caminho; os trens que faziam o transporte de passageiros foram parcialmente destruídos e ficaram cheios de lama e pedras; enfim, um caos.

Quando até a gigantesca estátua do filho de Deus não é poupada de um quase-dilúvio, a quem apelar? Foi por volta desse desastre que a seguinte superstição se espalhou por milhares de bocas: essas tempestades recorrentes seriam sinais evidentes da insatisfação de São Sebastião – o padroeiro da cidade – pelo fato de o dia que lhe era dedicado, 20 de janeiro, não ser mais ser feriado municipal por decreto do então governador Negrão de Lima.

Não deu outra: preocupado com a repercussão negativa da atitude que adotou, mudou rapidamente, e espertamente, de idéia, e revogou o decreto já no ano seguinte.

Ainda assim, as chuvas sempre voltavam, e voltavam caudalosas.

Talvez por isso, pelo fato de São Sebastião de mãos dadas com o Cristo Redentor não resolverem em dupla a questão das eternas e retumbantes chuvas de verão, o dia de São Jorge, santo que tem milhões de devotos em terras cariocas, 23 de abril, passou a também ser feriado municipal a partir de 2008.

Então ficou combinado assim: o Rio de Janeiro tem dois padroeiros, um legítimo, São Sebastião, e outro adotado, São Jorge: ambos sob a eterna supervisão do sempre vigilante, e sempre alerta, Cristo Redentor.


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