domingo, 5 de fevereiro de 2012

RIO DE JANEIRO, MAS A VONTADE MESMO É DE CHORAR (OU DEUSSS É CARIOCA DA GEMA)

Torno-me meio paranoico quando me aproximo de um desses pelotões de garis que aparam os verdejantes gramados que margeiam meus caminhos Rio de Janeiro afora.
Efeito colateral, e eventualmente letal, cortadores de grama do Rio de Janeiro não só cortam grama, como, sob o ponto de vista estritamente técnico, poderíamos esperar. Vão além: também disparam aqueles fragmentos-projéteis-bólides-sólidos imersos e ocultos nesses verdejantes gramados.
Sintomas de minha paranóia: quando me aproximo desses garis atiradores, além do boné e dos óculos escuros, levanto a mão direita e a esquerda até a altura das faces. Algum espírito santo de orelha sempre me alerta sobre a seguinte possibilidade: um desses fragmentos-projéteis-bólides sólidos disparados poderá me atingir os olhos, e me cegar (Deus me livre e guarde).
A minha preocupação maior, sabe-se lá por que diabos, é com os meus olhos castanhos, que a terra um dia haverá de gulosamente comer (como também o vosso olho, castanho ou não, caro leitor).
Mas enquanto protejo os olhos castanhos e rosto, deixo todo o restante do corpo desprotegido: pescoço, tronco, membros e, meu Deus do céu, minha ainda utilíssima genitália, que, desgraçadamente bombardeada por um desses fragmentos-projéteis-bólides-sólidos imersos nesses verdejantes gramados poderia eunucar-me – caso este verbo existisse. (Mesmo assim, Deus me livre e guarde deste verbo, mesmo inexistente)
Não só estou só nessa paranoia. Sempre encontro pessoas pelos caminhos por onde ando que agem da mesma forma que eu, e que protegem o rosto de eventuais ataques dos soldados-garis. O que me acalma um pouco e faz procedente a seguinte pergunta que me é recorrente: alguns desses fragmentos-projéteis-bólides-sólidos disparados por garis cortadores de grama poderão realmente machucar, mutilar, ou até mesmo matar alguém?
Há duas ou três semanas, obtive resposta bastante eloqüente a respeito deste tema. Num desses momentos em que soldados-garis disparavam cortadores de grama a esmo, entrou em cena inesperadamente personagem literalmente revelador. Relativamente jovem, não mais de 40 anos, pedalava bicicleta de mil e uma marchas e ultrapassava velozmente os muitos homens e mulheres que caminhavam àquela hora da manhã, e que se protegiam como podiam dos ataques dos soldados-garis.
De repente, o homem estancou bruscamente, parou a bicicleta, olhou em volta, constatou a maneira tosca com que os garis faziam o serviço de aparar os gramados em volta – as redes de proteção que poderiam eventualmente proteger os pedestres sob bombardeio estavam furadas e apodrecidas – e fez a seguinte preleção, quase, quase, à guisa de sermão da montanha: - Seus filhos da puta! Vocês continuam fazendo esse serviço de merda da mesma maneira de sempre. Se vocês querem cortar os gramados do Rio de Janeiro que arranjem jeito civilizado de cortá-los, caralho! Há um ano e poucos meses, neste mesmo lugar, amigo meu ficou cego porque um desses pedaços de quinquilharias que se acumulam e se ocultam e se escondem nos gramados o atingiu no olho, em cheio.
E o homem da bicicleta encerrou o discurso, colérico e ameaçador: - Isso não vai ficar assim. Isso não vai ficar assim!
Petrifiquei-me. O meu espírito santo de orelha fizera a coisa certa, me soprara a coisa certa: aquela maneira aloprada e amadora de os garis do Rio de Janeiro cortar gramados já gerou tragédias – e poderá gerar outras (Que Deus nos livre e guarde!)
De volta para casa, algumas sinapses metralharam meu cérebro: a) o Rio de Janeiro é cidade maravilhosa; b) o povo do Rio é povo maravilhoso, nunca deixa a peteca cair, mesmo quando a vaca tosse, e a vaca tosse muito em terras cariocas; c) sou baiano cada vez mais carioca; d) amo esta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro com paixão cada vez mais incontrolável; e) mas, mesmo assim, tenho de admitir: as gestões públicas que cuidaram e cuidam desta cidade – ou melhor, deveriam cuidar – tratam esta pérola preciosa do Atlântico Sul, e todo o patrimônio cultural, artístico e arquitetônico que esta terra emana, e emana esplendorosamente, de maneira tão irresponsável, mas tão irresponsável, que beira o surreal.
(Só não é mais surreal que Salvador da Bahia, mas Salvador da Bahia, com todo o respeito, é hour-concours neste quesito).
Duas tragédias recentes resultaram diretamente dessa irresponsabilidade dos governantes cariocas com os nossos bens públicos: o acidente do bondinho de Santa Tereza, em agosto do ano passado, e o desabamento de três prédios no coração do Rio de Janeiro, há pouco mais de uma semana.
Apesar dos pesares, tudo me leva a crer: mais que brasileiro, Deusss é carioca, e carioca da gema.
Pelo que flagro de desleixo e de descaso com os bens públicos, em geral, e com a vida nossa de cada dia, em particular, nos quatro anos em que moro nesta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro (e São Sebastião talvez também ajude nessa santa missão) aposto, sem medo de errar: o número de tragédias poderia ser exponencialmente maior em plagas cariocas.
Epílogo
Na semana passada, em mais uma prova cabal de que Deusss é carioca, São Sebastião zela por nós, e o Cristo Redentor abre os seus longos braços sobre a (baía de) Guanabara, juro que vi: 1) ônibus de transporte urbano quebrou em pleno Aterro do Flamengo, pista de alta velocidade e de intenso tráfego de automóveis; 2) os passageiros foram transferidos para outro ônibus da mesma companhia; 3) o motorista e o cobrador do ônibus avariado improvisaram um triângulo (daqueles que todos os carros têm, e os utilizam em situações similares) com a parte horizontal e vertical de um dos assentos; 4) colocaram o triângulo improvisado a quatro ou cinco metros do ônibus avariado; 5) seguiram para a beira do mar, deram as costas para o ônibus avariado, e para as prováveis chances de algum acidente grave acontecer, e prosaram e papearam e apreciaram a paisagem da Baía de Guanabara, como se não houvesse amanhã.  
PS: Oremos, e votemos nos nossos santos de devoção nas eleições municipais de outubro.

3 comentários:

  1. Sabe que aqui em porto Alegre até que os garis usam bem a rede de proteção e alguns até param quando alguém passa? Mas mesmo assim fico longe. Mas aqui corremos outros perigos... Boa semana e que as catátrofes não castiguem muito esta liiiindisssiiiima cidade de São sebastião.

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  3. Voce, grande Rogério, sabe muito bem futucar uma pereba, com o seu jeito,sua peculiaridade,futucar,coçar tudo que deve ser extirpado; é o caso dessa cidade maravilhosa como também a nossa linda Salvador que estão maltratando cruelmente,enquanto seus administradores se fartam do bom e do melhor, lá fora,longe. Essa maneira debochada e ferina de escrever sobre essas coisas confirma que não vamos banalizar o descaso que estão fazendo com essas metrópolis. É triste vê-las tão lindas e tão esquecidas, como se fossem insetos jogados nas sarjetas; o lazer, a cultura, o ambiente, tudo que é vital, importante e necessário quase totalmente esquecidos; a sorte é que ainda tem muitos resistentes enfrentando com esperanças um futuro melhor.

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