quarta-feira, 1 de junho de 2011

O PADRE, A GOSTOSA DEVOTA, E AS ESTRELAS QUE AMEAÇAM CHEGAR, MAS NUNCA CHEGAM

Sic itur ad astra. Passei boa parte de minha adolescência com esse mantra em latim enfiado a  fórceps na minha cabeça. Melhor: mais exatamente, bordado no escudo da camisa da farda cáqui que vesti entre os 10 e os 14 anos no Ginásio do Padre (como era mais conhecido na cidade) ou Ginásio de Jequié (nome oficical da instituição). Bahia. Era final dos anos 1960, e estudava em escola particular comandada com mão de ferro pelo vetusto monsenhor Leônidas Spínola (nem tão vetusto assim, o futuro provou: abatido em pleno voo pelas fraquezas da carne, abandonou a igreja tempo depois para se casar com uma de suas mais gostosas devotas).

Pior: sem o latim no nosso cardápio didático-pedagógico (retirado algum tempo antes), não sabíamos que merda significava aquela frase que estampava nosssos corações, mentes e  bolsos das camisas cáqui.

Até que um dia, alguém (talvez a professora de geografia, a senhorita Edeltrudes P?.) nos fez luz (parcial, admito; mas nos arrancou de alguma maneira das trevas da ignorância nas quais nos afundávamos a respeito daquelas letrinhas que estampávamos no peito:  - A frase latina Sic itur ad  astra significa Assim se chega às estrelas.

- Assim, como?  Perguntamos em coro. A professora Edeltrudes P. se fez de desentendida; botou e tirou os óculos fundo de garrafa (que escondiam mulher, diria, até bonita, diria mesmo, até gostosa), e deu de ombros, em assumida retirada estratégica. Mas, antes de sair da sala, atendendo aos nossos insistentes apelos de esclarecimento, disse a reveladora e esclarecedora frase a seguir (ao mesmo tempo que mexia nervosamente as mãos e puxava para baixo do joelho a saia justa azul): - Assim, ora bolas. Assim!

A vaguíssima assertiva disparada pela professora Edeltrudes P. poderia, de fato, àquela época em que ainda começávamos a mergulhar nos mistérios do viver e do morrer, significar absolutamente nada. Mas depois, já à beira dos vinte anos, e já morando em Salvador, e já não mais sob as saias e as asas da mãe amorosa e querida, descobri: esse era exatamente o xis da questão, o busílis irresolvível que nunca decifraríamos, ainda que vivêssemos mil anos.  O mapa (parcial) da mina: sim, sim, para alguns, ou para muitos de nós, estrelas brilhantes nos esperariam (em termos menos metafóricos: a felicidade, o êxito profissional, ou, enfim, saber como sair das enormes armadilhas e encrencas que a vida nos armaria). O problema seria descobrir o que aquele enigmático assim pretendia significar.

Um pouco depois dos vinte anos, ainda pouco machucado, mas já devidamente machucado pelas diatribes da sorte, nessa vã tentativa de tentar chegar às estrelas, enfim percebi: o xis da questão, o busílis irresolvível  de nossas efêmeras e fugazes existências seria decifrar o enigma que aquele assim revelava.  Ou seja, nos diziam, melhor, insinuavam, que deveríamos chegar a algum lugar.  Mas, extrema sacanagem do nosso comandante-em-chefe de plantão (que, a depender das longitudes e latitudes terrestres,  ora poderá atender pelo nome de Deus, ora de Alá & ora de outras derivações), o desvendar-o-labirinto que a palavra assim continha e abarcava era tarefa pessoal e instransferível de cada um de nós. (Era assim, tal e qual Adão & Eva, noblesse oblige, que começávamos a nos foder, e a descobrirmos o quão infernal a vida pode ser - e é).

Essa busca frenética, mas  legítima, desse sentido da vida que a palavra assim ocultaria (afinal de contas, até o mais imbecil dos idiotas já nos perguntamos que merda estamos fazendo neste vale de lágrimas cada vez mais espetaculosamente absurdo), teria desdobramentos posteriores na nossa vida adulta,  quando ainda mais candentes questões existenciais continuariam pipocando. Tipo: 1. nossas demandas reprimidas sobre o fato de querermos saber de que porra viemos e para que porra iremos; 2. ignorâncias abissais sobre ocorrências diárias e banais (a garota do vizinho que, aos três anos, morreu de câncer; o papagaio-do-meu-cunhado que de repente fora fulminado por  enfarte fulminante; aquele maestro famoso de Brasília que pegou o avião errado no dia errado, e acabou se liquefazendo no fundo do Oceano Atlântico; 3. coisas assim, triviais assim, mas, quase sempre, enigmáticas e inexplicáveis assim.

Esse vácuo, esse desentendimento sobre o sentido de nossas existências, vem de desde tempo imemoriais - e,  desde tempos imemoriais, o homem tenta desesperadamente tirar coelhos da cartola para nos fazer crer que algo faz sentido, mesmo que nunca nada faça, nem fará sentido - mesmo que nunca haja nada de novo debaixo do sol, nem nunca haverá nada de novo debaixo do sol.

Alguns desses coelhos tirados da cartola:
a) religiões díspares (as crenças religiosas, do catolicismo ao bramanismo, passando pelo candomblé, tentam nos facilitar a existênca, e, em síntese, evitar que enlouqueçamos, que nos matemos uns aos outros e nos matemos a nós mesmos;
b) psicanálises diversas, da ortodoxia freudiana mais racionalista aos lúdicos e alegóricos pais de santo que tentam colocar alguma ordem no caos da vida humana;
c) magias variadas, da astrologia, dita científica, à taróloga que vê nas cartas o presente-passado-furo, passando pelos que veem o que vai acontecer daqui a pouco nas borras de café depositadas no fundo de xícaras;
d)  culturas de autoajuda das mais criativas, que vão de livros de Paulo Coelho e Padre Marcelo a filmes, romances, peças teatrais, telenovelas; passando pela publicidade rastaquera que pode levar a nos fazer crer que o sentido da vida está no carro do ano, nas roupas de grife do ano e nos modelos de aparelhos celulares do ano;
e) drogas científicas legais e ilegais de portes diversos, do crack à cocaína, passando pela vodka Absolut, pelo energizante Red Bull, pelas cervejas-que-descem-redondas e as que não-descem-redondas, pelo Rivotris e Prozacs de última geração - e etc etc etc - e põe etc nisso.
f) mesmo com essas drogas todas em plena explansão mundo afora, a cobra continua fumando, e, pelo andar da carruagem, o que a cobra está fumando, talvez possamos inferir, não é cigarro-comum-daqueles-que-dizem-dá-câncer.

Há conspiração cósmica em curso (e que bom que haja essa conspiração cósmica em curso; precisamos de ópio, pois não?). Objetivo: tentar, de maneira bem-sucedida, nos fazer crer: vivemos no melhor dos mundos. Nada contra. Apenas tento registrar, caro leitor, a maneira como as coisas de fato se dão. É bom ter consciência de como as coisas se dão (Ou não?). Adoramos nos vitimizar. Adoramos dizer, seja em mesas de bar, ou em divãs de analistas: nessa roda-viva na qual vivemos somos sempre manipulados. Não é bem assim. Sabemos dessa diuturna manipulação, desse diuturno adestramento ao qual estamos submetidos, e gostamos que seja assim, precisamos que seja assim.

Moral da história: carecemos de pão e precisamos de circo, em doses equânimes. (Quem duvidar que atire a primeira caixa de rivotril, ou de algum outro tarja-preta qualquer).

Confesso, sem culpa alguma:
1. já usei, e ainda uso algumas das drogas citadas acima;
2. rezo quando a barra pesa, principalmente em aviões que passam por zona de turbulência, ou quando, desesperado, percebo que aquele ansiado e-mail nunca chegará; sempre que passo na porta da Igreja de São José, na Praça 15,aqui no Rio de Janeiro, adentro o templo, prostro-me diante do altar, rezo um pai-nosso contritamente, e peço proteção para familiares e amigos queridos;
3. faço psicanálise, alternadamente, desde os 17 anos (agora estou com 57); já sentei em divãs de freudianos, junguianos, lacanianos, e o diabo a quatro; e até mesmo suportei por longos meses certa psicanalista de Brasília que fumava feito uma locomotiva a vapor e que exigia o pagamento da sessão em cash;
4) já consultei pais de santo, tarólogos e astrólogos - e sempre quis crer piamente nas previsões que me faziam (principalmente nas boas e que, infelizmente nunca se materializaram); já me enfiei numa escura caverna da praia de Ondina, em Salvador, enquanto pai de santo me cobria de palhas e de ornamentos em tons de ocre, e dançava ao meu redor, e repetia palavras incompreensíveis, e me massageava com ervas muito cheirosas, e eu tentava entrar em transe mas não conseguia entrar em transe, caralho.

Enfim, sou ser humano como outro qualquer. Às vezes acredito: todas essas ações-com-a-intenção-de-dar-alguma-ordem-ao-que-nunca-terá-ordem-alguma podem ter me ajudado a não sucumbir, e a continuar vivo. Em outras vezes, descreio de tudo isso e concluo:  ainda não morri (´de morte matada´ ou ´de morte morrida´, como dizia o meu pai), porque não chegou a minha hora. Simples assim.

Desses oráculos todos que já consultei , nunca esqueci de certo astrólogo paulistano, que me atendeu em apartamento confortável da Rua Pamplona, no bairro Jardins, em São Paulo, no começo dos anos 1990. Procuradíssimo, só consegui ser atendido depois de mais de três meses de espera. Ao me atender, praticou ações, digamos, mágicas que me impressionaram:
a) traçou-me, a partir de mapa astral feito com antecedência a partir de dados biográficos que havia lhe passado, perfil psicológico irretocável. Em pouco mais de meia hora, resumiu-me psicologicamente de maneira tal que talvez nenhum dos muitos psicanalistas   que frequentei, e frequento, o fizeram;
b) previu-me futuro venturoso, mas a longo prazo: ´As coisas vão demorar para acontecer com você, mas vão acontecer. Você tem lua em aquário e ter lua em aquário é algo extraordinário que lhe garantirá um mundo de possibilidades profissionais a longo prazo´.
c) já no fim da consulta que durou duas horas, quando já me levantava para sair, puxou-me pelo braço, e me disse o seguinte: - Meu caro, deixe-me lhe dizer algo que talvez não devesse lhe dizer, mas vou lhe dizer: quanto mais longe do lugar onde você nasceu você morar, mais feliz você será.

Vinte anos depois, ainda me pergunto: será que eu já não deveria ter me mudado para a Austrália? Ou para o Japão? Ou para o Timor? Ou para Marte? O Astra do meu Sic Itur Ad Astra não estaria do outro lado do mundo, quiçá da galáxia?

Pergunto-me também: por que diabos essa minha lua em aquário nunca dá o menor sinal de vida, e se finge de cega, surda e muda essa filha da puta, enquanto me perco em becos sem saídas como vem ocorrendo nas última estações?.

Só me resta esperar. Só me resta respirar.

O futuro a Deus, Alá,  e derivações congêneres pertence. Ou não?

2 comentários:

  1. Hahahaha, benditos (e malditos) sejam os mapas astrais (e demais 'mecanismos do acreditar')! Amém, rs ;)

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  2. MENINO!! VC ESCREVE ÓTIMO ÓTIMO ÓTIMO
    Fazer brincadeira com nossas "limitações" mentais e de compreensão é tdb.
    A busca do ser humano pelo sentir-se bem
    E KRISHNAMURTI vc já leu?
    Seria o máximo ler vc escrever sobre as coisas desmontadoras q ele diz
    É Q AINDA TEM ESTE DETALHEZINHO NESTA VIDA NA TERRA: CADA um vê com seus filtros!
    EXCELENTE! Estou precisando muiiiiito escrever uma história que preciso escrever- acho q devo escrever impressionantemente punk Q ESTOU RESOLVENDO E comprovando q nossos pensamentos é q criam o palco q vamos viver . FOI ÓTIMO LER coisas legais q vc escreveu neste blog excelente!! LOBO SUA VEZ JÁ CHEGOU . NÃO PRECISA ESPERAR MAIS COISA ALGUMA É AGORA VC JÁ É O MUST!! DESFRUTEMOS! Adorei a missão cola na viúva, em maio . Seus escritos realmente me inspiraram . Vou ler mais . na volta! Bj grata

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