terça-feira, 21 de dezembro de 2010

UM ORÁCULO PRA CHAMAR DE SEU, MESMO QUE SEJA O MEU

Sempre foi assim. Sempre será assim. Vivemos todos loucos para saber o que vai nos acontecer no dia de amanhã (eu, noblesse oblige, inclusive). Somos dependentes químicos de oráculos, seja lá que porra de oráculo for.

Adoraríamos saber se morreremos amanhã; ou se morreremos depois de amanhã. Se seremos ungidos com os lauréis da glória e da imortalidade, ou se voltaremos ao pó no mais inexorável dos anonimatos. Se conheceremos o homem/mulher de nossas vidas na próxima esquina ou nos encarquilharemos pari passu, aniquilados pela mais cruenta das solidões.

Numa frase: queremos encontrar alguma lógica, e não há lógica alguma, no ato de viver e de existir. (Perdão leitores, estamos no Natal, e o senso comum aponta que não se deve falar sobre essas coisas nesta época em que nos afundamos nas fantasias cristãs mais torpes;  mas está lá, com todas as letras, no aparentemente insuspeito Eclesiastes: ´´Por mais que se esforce para descobrir o sentido das coisas, o homem não o encontrará´´)

Nesse vácuo aterrador que nos assombra há séculos,  charlatães das mais diversas matilhas agem, às claras, ou na calada da noite, loucos para tirar proveito dessa nossa incurável parvoíce de querermos descobrir o que vai acontecer nas cenas dos próximos capítulos; ou de descobrir algum sentido onde nunca haverá sentido algum. Queremos encontrar nesses oráculos todos algo que mitigue a nossa eterna ignorância sobre sermos e estarmos no mundo. Ponto.

O escritor Rubem Fonseca chegou a conceber, num dos contos mais abissais do retumbante Secreções, Excreções e Desatinos (lançado em 2001), um personagem que tenta encontrar o sentido da existência no design dos bolos fecais que desovava diariamente. Um cagalhão com um formato assim significaria isso. Um outro cagalhão com um formato assado significaria aquilo. (Não é um personagem extemporâneo, sabemos; eu mesmo já me flagrei a contemplar um desses cagalhões inexplicavelmente concebidos no exato formato de alguma letra do alfabeto, e me perguntar: - O que essa merda em forma de Z quer significar?;  e duvido que o mesmo sentimento  já não tenha atravessado a mente do nobre leitor...).

A bem da verdade, essa minha sede de dominar, e compreender, o futuro amainou um pouco nos anos 1990. Causa aparente: num intervalo de cerca de um ano, dois inesperados oráculos (amadores, mas oráculos) me fizeram previsões absolutamente diversas.

Momento 1: depois de visita à Tate Gallery, em Londres, sentei-me com um grupo de amigos num bar das cercanias para dividirmos nossos êxtases pictóricos coletivos. Do nada, sem motivo aparente definido, a tia de um desses amigos que viajava conosco, incorporou rapidamente a persona de uma bruxa de desenho animado de Walt Disney, pegou inesperadamente a minha mão, puxou-a, abriu-a, e, ao olhar para aquelas centimétricas trilhas manuais que todos nós carregamos, vaticinou: - Você terá uma vida longa, muito longa!

Momento 2: no auge do fechamento de uma edição difícil no jornal no qual trabalhava à época em Brasília, do nada, sem motivo aparente definido, uma de minhas repórteres mais competentes incorporou rapidamente a persona de uma bruxa de desenho animado de Walt Disney, pegou inesperadamente a minha mão, puxou-a, abriu-a, e, ao contemplar aquelas centimétricas trilhas manuais que todos nós carregamos, vaticinou: - Você não vai iver muito não, sabia? Você vai ter uma vida curta!

Em quem acreditar, caro leitor?

Resolvi: não adreditaria em nenhuma daquelas pitonisas inesperadas. Mas, a partir desses dois momentos antípodas, resumiria assim a minha ópera oracular dali em diante: elementar, meu caro Watson, previsões ruins e previsões boas têm as mesmas chances de se materializar. Ou seja: a) alguém poderá acertar espetacularmente o futuro de alguém. b) alguém poderá errar espetacularmente o futuro de alguém.

Nesse eterno vácuo oracular no qual vivemos desde sempre,  humanos desesperados com os fardos inexoráveis de suas existências tentam não soçobrar; e charlatães  ávidos por atender nossas diuturnas demandas adivinhatórias disputam, ombro a ombro, palmo a palmo, esse espólio de profundas desilusões e de profundos desencantos. Ou seja, chafurdamos todos nesse mar de sandices oraculares que nos devoram (mas não nos decifram);  que nos enlouquecem; e que, noblesse oblige, ninguém é de ferro, podem nos dar algum alento nesse desalentado mundo no qual a única certeza absoluta é que todos nós nos volatizaremos no mais remoto pó - seja na próxima esquina ou não.

Cada um tem o oráculo que merece. Tornei-me menos criativo que o personagem de Rubem Fonseca (que via na própria merda indícios da vida futura). Há algum tempo, ao  remexer os bolsos de calças e camisas sujas antes de enfiá-las na máquina de lavar, percebi: deparava eventualmente com ingressos de filmes aos quais assistira nos últimos meses. Dessas descobertas surgiu a seguinte mania oracular: cada título de filme assistido poderia significar alguma pista dos meus tempos porvir.

Certa tarde de outubro quase tive epifania ao vislumbrar, amassado e abandonado no bolso esquerdo de  certa calça jeans, o seguinte enunciado: Tudo Pode Dar Certo (Não deu; mas foi bom crer que pudesse dar; foi bom enquanto durou).

PS: ao escrever este texto, remexi os bolsos de calça cargo que esqueci de colocar na máquina de lavar roupa ontem e que jazia, displicentemente jogada, embaixo da cama. Adivinhe o que encontrei, caro leitor? O ingresso amassado e amarrotado de Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos.

Vade retro! Deus é mais.

 

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