sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

COPPOLA PÕE SHAKESPEARE PARA DANÇAR TANGO COM ALMODÓVAR EM TETRO

Tetro, dirigido por Francis Ford Coppola, 72 anos, atesta para os devidos fins: a idade tem feito muitíssimo bem a este cineasta americano que os mais jovens (e, eventualmente, mais imbecis; mas  nem sempre uma coisa leva à outra, ressaltemos) poderão achar que se trata apenas do pai da senhorita Sofia Coppola. Entre outros upgrades, Mr. Coppola parece estar se levando menos a sério: inda que continue a discorrer sobre temas que lhe são muito caros desde sempre: a nossa aviltada e combalida condição humana, com todas as suas nuanças e desvarios (caros a Mr. Coppola e, também, aos grandes bambas do grande cinema, da grande literatura e da grande arte que se produz entre nós desde que o mundo é mundo).

É o que Coppola materializa em Tetro. Ainda que seja um filme de densidade dramática desconcertante, há  certo tom de leveza lúdica perpassando e pespontando todas as ações e todas as cenas e todas as respirações. Ao não se levar tão a sério, advém nele um outro sentimento nobre: o de perceber (mas de não se imobilizar por isso) que tudo sobre essa combalida e aviltada condição humana já foi dito e redito nos mais variados campos da arte: dos gregos a Tarantino e Almodóvar, passando, claro, por William Shakespeare e John Lennon.

O que pode diferenciar, melhor, nuançar, a grande arte concebida hoje em dia da grande arte que nos precedeu é, talvez, a forma (e, por tabela, todo o aparato de linguagens e significados decorrentes) com que essa grande arte contemporânea pretende resumir a nossa torpe, desde sempre, condição humana (sobre a qual o genialíssimo William Shakespeare sacramentou a seguinte, e definitiva, equação em Macbeth: ``A vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, não significando nada.´´)  

Em Tetro há tudo isso: sons rascantes, fúrias abissais, e, basicamente, aquela náusea básica que nos faz procurar algum sentido na vida, inda que saibamos que a vida possa significar absolutamente nada. É sob essas condições emocionais de temperatura e pressão que tentam submergir os personagens do mais recente filme de Mr. Coppola; (aliás, como nós aqui fora da tela, submetidos a um enigmático destino do qual nunca conseguiremos decifrar).

Ou seja, o ectoplasma de William Skapeare (e de outros gênios da raça que nos precederam; aqui e ali, entre outras citações e emulações, poder-se-á flagrar o espectro de Orson Welles e de seu memorável Cidadão Kane) paira sobre os 127 minutos de duração de Tetro. Mas Mr. Coppola vai além: deixa-se também chafurdar nos encantos de um dos mais fulgurantes cineastas da segunda metade do secúlo 20: um certo Pedro Almodóvar. Prova inconteste dessa evidência: emanações almodovarianas perpassam cada take de Tetro.

Essa presença fulgurante de Pedro Almodóvar é tão assumidamente óbvia (Carmen Maura, por exemplo, interpreta personagem abissalmente almodovariana chamada Alone) que tudo leva a crer: Francis Ford Coppola, aos 72 anos, sabe o quanto o atual grande cinema deve a um cineasta mais jovem como Pedro Almodóvar (aos 62) - e, noblesse oblige, lhe faz uma homenagem absolutamente comovente..

(O bom-humor de Mr. Coppola também se revela na seguinte, digamos, blague estética: o cinema almodovariano, basicamente multicor; melhor, basicamente em tons de vermelho e de laranja, é apresentado em preto e branco em Tetro. Mas não se engane, caro leitor: mesmo em preto e branco, poder-se-á perceber o quão vermelhos, ou quão multicores, são os vestidos que Mr. Coppola obriga Alone/Carmen Maura a vestir).  

E aqui se poderá apontar uma outra caracaterística advinda da sabedoria que a maturidade pode trazer: a consciência de que o que realmente importa não é se ter 18 ou 90 anos - e sim, como dizia um certo Walter Franco, de saudosa memória, ´o que importa é a cabeça irmão´.  Aliás, na trama de Tetro tal sabedoria se materializa: é o jovem Benjamin, de 18 anos (interpretado por um certo Alden Ehrenreich; anote este nome, caro leitor, esse cara ainda vai dar muito o que falar!), quem decodifica, e materializa e corporifica a literatura  produzida pelo irmão mais velho Tetro,  até então absolutamente imobilizado pelo terror generalizado que lhe cerca a vida..

Enfim, desse mix Coppola-Shakespeare-Almodóvar resulta um dos mais memoráveis filmes que este locutor que vos fala já viu em 50 anos de escurinho do cinema. Atesto, e dou fé.

Dever de casa para o caro leitor: tente flagrar em Tetro a menção a pelo menos dois filmes de Pedro Almodóvar. Uma diretamenrte: o nome de certa produção almodovariana é citada, en passant, mas de maneira muito clara; na outra, o título do filme aparece camufladamente em determinado diálogo; um certo adjetivo é trocado por outro, um antônimo.

PS: respostas num próximo post.

Um comentário:

  1. ótima intimação cinematográfica, rogério. não dá pra pedir "espera eu assistir" antes de vc divulgar as menções a almodovar. não vai dar para ver o filme antes do natal e não perco mais seu blog. dilema.

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