quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A LEI DA SELVA QUE NOS FAZ CAGAR E ANDAR PARA O PRÓXIMO (OU SALVE-SE QUEM PUDER)

Vivemos era paradoxal, caro leitor: cada vez mais sabemos detalhes da vida dos outros – (o que gostam, o que odeiam, o que curtem, com quem fodem, as opiniões,  falsas ou verdadeiras, pouco importa,  sobre tudo e todos, via Facebook e outras mumunhas mais do nosso virtualíssimo mundo) – e cada vez menos nos envolvemos, de fato, e em tempo real, com a vida dos outros.
Essa falsa intimidade virtual mascara o desinteresse que a vida de cada um de nós desperta nos outros, e, por tabela, o desinteresse que a vida dos outros desperta em cada um de nós. Viramos legião de criaturas narcísicas que cagam e andam para aquilo que não é espelho.
Essa atitude não é algo que defina faixas etárias: garotos recém-entrados na casa dos 20 anos e órfãos de Woodstock que já passaram dos 60 incorporaram com o mesmo nonchalance esse modus operandi às nossas rotinas  diárias. O cronista que ora lhe escreve se empenha fervorosamente em não cagar e andar para aquilo que não é espelho. Luta inglória. Quase sempre em vão. Em 2006, por exemplo, me flagrei  (mea culpa mea maxima culpa) entristecido a abatido ao saber, em meio a solar manhã de sábado, da  morte súbita do humorista Bussunda.
No meio desse transe, certo amigo, da mesma faixa etária, ligou. Ao lhe revelar o motivo da minha tristeza-quase-angústia, ele disparou, sem choro nem vela: - O que é que você tem a ver com a morte do Bussunda. Bussunda morto vai mudar a sua vida em quê, cara? Sai dessa!
Desde então, sempre penso duas vezes antes de me entristecer e de me angustiar diante das mortes súbitas de outrem, e das dores súbitas de outrem. Mas devo admitir: o meu amigo fracassou nessa tentativa de me tornar indiferente diante do que não é espelho. É mais forte do que eu. Fazer o quê? Nasci assim. Vou morrer assim?
Nesta semana dois fatos me trouxeram de volta essa tristeza-quase-angústia diante das dores alheias:
1.      Em texto publicado no blog do jornalista Luiz Caversan, no UOL, soube da situação de extrema penúria em que vive atualmente a atriz Ruth Escobar, um dos nomes mais emblemáticos do teatro brasileiro do século XX. Aos 75 anos, abatida pelo Mal de Parkinson, a outrora fulgurante dama dos palcos nacionais, vive inferno-na-terra.
Em 1977, ainda de cueiros, assisti, extasiado, à montagem Torre de Babel, dirigido pelo franco-argentino Victor Garcia, protagonizada por Ruth Escobar no teatro homônimo – e que, à época, fervilhava com a fulgurância do crème de la crème da inteligência paulistana. Além disso, entrevistei-a nos anos 1980 para a Folha da Tarde (SP). A partir dessa entrevista, escrevi texto assumidamente queer, alcunhando-a de ´estrela calva´ (trocadilho  infame com ´estrela Dalva´), por conta da calvície que sempre procurou esconder com indefectível peruca preta.  
Ontem no Facebook comentou-se fartamente sobre essa débâcle escobariana,  e falava-se  sobre certa fotografia que registrava a atual penúria física e mental na qual a atriz vive, ou melhor, morre lentamente. Poupei-me. Abstive-me de acessar esse flagrante do ocaso dessa grande dama do teatro brasileiro. Mesmo assim, passei grande parte de minha caminhada matinal de ontem no Aterro do Flamengo com o pensamento voltado para essa ocorrência não exatamente alentadora.
2.      Também ontem, no começo da tarde, acessando mensagens no UOL, o título de certo e-mail me chamou de imediato a atenção: Bad News.  Pensei em deletá-la sem lê-la (já não bastam as milhares de bedinius que nos rodeiam e nos sangram as jugulares diuturnamente?). Mas li o nome do remetente (amigo queridíssimo, e a quem amo muitíssimo) – e fui em frente.
O amigo queridíssimo enviava mensagem aos mais próximos na qual comunicava: acabara de saber por meio de exames médicos recém-feitos que estava, no viço e no auge do seu poder intelectual e mental e sexual, apresentando os primeiros sinais do Mal de Parkinson, doença não exatamente simpática (se é que haverá alguma doença simpática).
Mas, bravo guerreiro, dono de alma altaneira, não se deixava vitimizar Ao final do bilhete, brincava: ´Estou désolé (para ser bem fresco e usar a palavra em francês porque é mais chique), mas não a ponto de me jogar do oitavo andar. Tentarei seguir trabalhando dentro das limitações. Lamento apenas não mais poder tomar vinho. A vida é bem injusta. Mas o sexo está liberado (até onde for possível). Bem, a vida não é tão injusta assim´.
Senti vontade imensa de ir ao encontro de meu amigo, de ampará-lo, de lhe dar colo, de beijá-lo, e de lhe dizer que tudo iria acabar bem como nas comédias românticas de antanho protagonizadas por Rock Hudson e Doris Day. Mas não. Disparei-lhe apenas amoroso, sincero, e encorajador bilhete.
(Merda: Acho que estou vivendo e aprendendo a jogar, nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar).






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