quinta-feira, 24 de março de 2011

A QUEM INTERESSA SABER O TAMANHO DO PÊNIS DO POETA FERNANDO PESSOA?


Abstive-me de postar  o que quer que fosse neste O Lobo No Ar na semana passada. Motivo 1: afundava-me em questiúnculas pessoais aparentemente  insolúveis, e que não vêm ao caso. 2) mergulhava na leitura do arrebatador romance de Roberto Bolaño, Os Detetives Selvagens (sempre que leio esse escritor chileno-mexicano morto precocemente em 2003, aos 49 anos, quase creio que não haverá mais nada a ser escrito.)
Ainda imerso nas mais de 600 páginas magistrais de Os Detetives Selvagens, pensei em fazer o mesmo esta semana. Escrever sobre o quê?, perguntava-me. Mas hoje no final da manhã, tudo mudou. Como de hábito, lia importante jornal, mais exatamente as notícias culturais, quando deparei com o seguinte título de alto de página: Fernando Pessoa: genial, vaidoso e sem imaginação.
Quase enfartei. Mas adiei o enfarte, e li o teor do texto. Estarreci-me mais ainda (e, ainda bem, o enfarte não veio). A certa altura da matéria, que noticiava o fato de certo autor pernambucano estar lançando obra de cerca de 700 páginas sobre o escritor e poeta português, leio a seguinte pérola: ``O que se pensa que é imaginação, não é, tudo está ali, ao lado dele.´´

Perdão, leitores: mas que porra é essa (1)?  O que é a imaginação se não a nossa capacidade de captar o que está ao nosso redor e de transformá-lo, e de amalgamá-lo em pensamento e arte? Quantos contemporâneos de Fernando Pessoa viram quase as mesmas coisas que ele viu-vivenciou, mas foram incapazes de esculpir um dedo sequer de (boa) prosa e de (boa) poesia?
Fernando Pessoa é autor de obras desmesuradamente imaginativas como, por exemplo, O Livro do Desassossego  (o desassossego é de todos nós, seres humanos naufragados neste vale de lágrimas, mas quantos de nós seremos capazes de escrever sobre esse nosso eterno desassossego da maneira desassombrada com que ele escrevia?)

Perceber que alguém reduzia FP a  observador (e observador passivo; o observador realmente observador mais do que vê, imagina e processa o que vê) me fez abandonar temporariamente a prosa magistral de Bolaño, e soltar os meus cachorros. Arranquei o notebook que descansava sobre as almofadas desde ontem, e comecei, furiosamente, a escrever este post.
Voltemos ao ponto: o grau de bizarrice dessa, digamos, ´reportagem cultural´ prosseguia. Quase o ao final do texto leio a seguinte pérola de lesa-inteligência:  ``O (autor) pernambucano não tem provas, mas registra uma versão pessoal para o retraimento sexual do poeta: - Ele tinha um amigo, Antonio Botto, que era homossexual assumido, apesar de casado.  Ele contava ter ficado assustado com o tamanho do pênis de Pessoa, que seria muito pequeno. Não tenho como provar, mas minha explicação é que por isso o poeta não tinha coragem de se expor perante as mulheres.´´
Perdão leitores, mas que porra é essa (2)? Fazer relato biográfico de alguma importância histórico-literária no qual se afirmam coisas sem provas mais cabais poderá ter algum tipo de relevância? E esse freudismo barato de mesa de boteco sórdido (tamanho do pênis diretamente proporcional  à coragem pessoal e sexual)  deveria ir direto para a latrina e não para livro de 700 páginas que se pretende conquistar algum tipo de prestígio e respeitabilidade nos meios acadêmicos e não.
Essa subfofoca (nem revistas de celebridades, afeitas a revelações pessoais bombásticas, chegam a esse nível de revelação anatômica). Já pensou se em determinada matéria sobre Tony Ramos ou Marco Nanini , o repórter da Contigo! ou da Quem incluísse a centimetragem dos, digamos, caralhos de seus entrevistados para explicar essa ou aquela particularidade psicológica desses atores?
Ok. Quem quiser revelar a grandeza ou a pequenez de seus pênis que o façam (eu mesmo faria isso sem pejo, caso alguém se interesse). Mas, cá pra nos, who cares? O mundo se acabando no Japão; centenas de desempregados dormindo nas calçadas do Rio de Janeiro, e de Nova Délhi, e de Nairobi, e do Cairo; o planeta à beira de uma crise do petróleo que poderá detonar inflação endêmica mundo afora; ou seja, as trombetas do apocalipse tonitruam nos nossos cangotes, e alguém se jacta de escrever livro onde, entre outras constatações (que as outras sejam mais relevantes, espera-se), afirma que Fernando Pessoa, primeiro e único, tinha, perdão de novo, leitores, pau pequeno.
Como dizem no interior da Bahia: - Faça-me uma garapa!

6 comentários:

  1. Excelente a crônica. Como já ousei escrever um décimo do que Pessoa escreveu. A crônica desta semana deve ser enviada ao autor da infeliz biografia e ao jornal que a divulgou, como crítica e desabafo. Acho que vale a pena a briga...

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  2. Oi Rogério,
    Ah, a sordidez humana... Como diria Pessoa:
    "Não me macem, por amor de Deus!
    ... Vão para o diabo sem mim,
    Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!".
    Tchau, vou alí reler Ficções do Interlúdio.
    (Note to self: ignorar autor pernambucano e suas obras)

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  3. Realmente, viu?! Acho que o ser humano vai me surpreender sempre: em aspectos bons e, infelizmente, ruins!

    Freud explica... (!)

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  4. Quem deve ter o bigolim pequeno é esse autor pernambucano, cá pra nós! Hahahahahahahaha!
    Sheila

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  5. Éééééé´, meu amigo.... e que nessa garapa não coloque nem muito limão nem muito gelo, para não mudar o sabor. Vê se pode! Qual será a intenção: Difamar ou justificar ???? Complicado.

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  6. Oi Rogério! adorei teu post, fiquei com as mesmas interrogações ontem ao assistir na globonews o programa literário sobre Fernando Pessoa, com o Ednei Silvestre, aproveitando a exposição sobre o poeta, q agora está no RJ, e este entrevistou o autor pernambucano. Ele falou no final da entrevista sobre a "sexualidade" de Pessoa. Aiaiai, que preguiça humana...
    bjos
    Clau

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