sábado, 27 de novembro de 2010

MAIS VIDA DURANTE A GUERRA

Ontem. 26 de novembro, dia seguinte ao dia D, e  a uma, digamos, tropicalíssima versão da invasão da Normandia, como pretendeu certo jornal local, acordei cedo. Fui caminhar no Aterro do Flamengo, bem longe do front (presumia; e desejava). Ainda bem: não tropecei  em cadáveres, nem engoli balas perdidas. 
Depois de duas horas de caminhada,  na qual pude perceber que o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar continuavam (ainda) no mesmo local,  parei para respirar. Fui beber água de coco no quiosque do Seu José (na ponta sul da praia do Flamengo). Ele, certamente, até prova em contrário, é o mais zen dos cariocas. Aos  80 e tantos anos, me recebeu com a simpática indiferença de  sempre, serviu-me a mais deliciosa das águas de coco da região, e, ao lhe perguntar como estava a vida,  ouvi, entre dentes (esse homem fala muito pouco, quase nada):  - Hummm...  - (ou coisa parecida)
Sorvi minha água de coco – e caminhei, ensimesmado, de volta para casa. Estava ainda entristecido com o desfecho do romance A Humilhação, de Philip Roth, que acabara de ler na madrugada anterior: o herói trágico rothiano Simon Axler tivera o mesmo e inglório fim de Anna Kariênina (no livro homônimo de Tolstoi) e de Konstantin Treplev (na peça A Gaivota, de Tchekhov). 
A melhor saída seria mesmo um tiro nas têmperas ou o mergulho embaixo de um trem em movimento? Tenho minhas dúvidas  sobre esse contundente tema desde os oito anos de idade (quando comecei a cultivar esses pensamentos niilistas). Mas fui salvo pelo gongo: olhei a estibordo o Pão de Açúcar, feérico e quase pornográfico, como poderia dizer o Nelson Rodrigues, e voltei a perceber (por que não?): 1) a vida vale a pena, sim, porra! ; 2) o judeu americano Philip Roth é o maior escritor vivo do planeta, sim porra! (ok, nesse sublime triunvirato pódio literário o turco Orhan Pamuk e o israelense Amos Óz são as princesas!)
No final da tarde, desisti pela enésima vez de dar o pontapé inicial do meu novo romance, o que tento fazer há algum tempo. Mas embora sente todo dia, contritamente, à frente do notebook,  as palavras não vêm, embora o plot já esteja completamente definido. (Foi assim ontem novamente: a inspiração não veio). 
Então resolvi assistir ao mais recente filme de Woody Allen (num cinema perto de mim):  Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos.  Entorpecido pelo tom, digamos, vagamente positivista do filme anterior desse cineasta americano (Tudo Pode Dar Certo, uma comédia na qual tudo poderá dar certo, ainda que de maneira acidental, e aleatória), tomei certo choque.
Mr. Allen, aos 75 anos, continua amargo como sempre. No novo filme que dirigiu, nos demonstra o seguinte: tudo poderá dar errado, ainda que de maneira acidental e aleatória.
Ou seja, ambas as respostas, caro leitor, são absolutamente certas: 1) Tudo pode dar certo. 2) Tudo pode dar errado. (Questão de hora, e de lugar).
Hoje. tarde de 27 de novembro. Digito essas maltraçadas linhas e ouço jazz pela tevê. De repente, me pergunto: - E a guerra que fervilha em tempo (ir)real a algumas milhas daqui?
Ato contínuo, aciono o controle remoto: em vez do jazz mavioso dos Braxton Brothers  (transmitido pelo canal  de áudio 479 da SKY), entram em cena flagrantes ao vivo e em cores da guerra dos morros do Rio.
Não titubeio: volto imediatamente aos braços dos Braxton Brothers, de onde nunca deveria ter saído.
A (ir)realidade faz mal - principalmente nas tardes de sábado.
(Enquanto isso três helicópteros da polícia fazem vôo rasante pelos céus de Botafogo; ou seja, precisamos todos de mais jazz na veia).





Um comentário:

  1. Definitivamente, "tudo pode dar certo, tudo pode dar errado". ^_^

    PS: Ao ver o último filme de Allen, ao final, só pensei: "C'est la vie, c'est la vie". Mas e não é?!

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