domingo, 29 de janeiro de 2012

OS HOMENS BONITOS CORREM APÓS A CHUVA (OU DOIS PONTOS DE LUZ QUE ME ALUMIAM)

Existe metáfora climática de domínio público que gosto de gostar, e gosto de gostar muito: `Depois da tempestade vem a bonança.´ (Esta é a versão compacta).
Gosto de gostar ainda mais da versão menos compacta, de minha lavra:  ´Nesta vida meio sem pé e sem cabeça na qual vivemos, nós, seres humanos estamos sujeitos a todas as estações climáticas, verão, outono, inverno, primavera. Há momentos  outonais, invernais, primaveris e veranis. Questão de hora e lugar.´  
Em 2003, quando ainda morava em Brasília, vim ao Rio de Janeiro visitar S., familiar  muito querida, e, à época, bombardeada por evento dramático de grande porte: S. e o então marido R. resolveram se separar depois de pouco menos de um ano de casamento. Nada mais inesperado: o casal namorava havia anos; viajava pelo mundo anualmente durante as férias havia anos; o marido era amadíssimo por toda a nossa família havia anos; pareciam felizes havia anos.
O casamento de S. e R. na Igreja do Outeiro da Glória foi seguido por festa memorável, de altíssimo astral, do balacobaco. Recém-casados e convidados em geral voltaram para suas respectivas casas de almas mais do que lavadas, amaciadas por doses generosas de boas bebidas e de boas comidas; e com os corpos moídos, benditamente moídos, provocados pelos saracoteios cometidos por gentes de todas as idades na pista de dança de um clube da Urca com visão espetacular para a Baía de Guanabara.
Necessário ressaltar: dançamos todos, e dançamos muuuuuuito, às vezes à la Travolta, às vezes à la Madonna, como se não houvesse amanhã. Acreditávamos plenamente que o S. e R., cuja união naquele momento se celebrava, duraria para todo o sempre.
Essa minha vinda ao Rio em 2003 - ((S. já havia ido a Brasília para me abrir o coração, e chorar um amor que acabou, e não há como não chorar diante de amores desfeitos) - fazia parte de mutirão afetivo familiar no qual todos os Souza Menezes nos engajamos vigorosamente. 
Nessa minha passagem pelo Rio de Janeiro em 2003, eu e S. fomos fazer uma volta completa pela Lagoa Rodrigo de Freitas – cerca de 7,6 quilômetros. S. continuava muito abalada, e a cada 500 metros era acometida por crises convulsivas de choro.
Depois de cerca de meia hora de caminhada, percebi que, naquele trecho  que havíamos percorrido até então já havia ocorrido os seguintes eventos climáticos: a) chovera fortemente; b ) depois apenas chuviscara; c) o sol aparecera retumbante como se fosse plena e resplandecente manhã de verão carioca; d) nuvens  fugazes surgiram do nada e fizeram o tempo nublar novamente.
Foi quando tive o seguinte insight: nada mais óbvio do que utilizar a minha metáfora climática preferida para tentar apascentar a enorme dor psicológica, ´e também física´, de S. 
Saquei o insight  rapidamente da cartola, ou melhor, do boné, e lhe disse, com a convicção  de quem acreditava, e ainda crê, e crê piamente, nesta metáfora climática: - É o seguinte, minha querida, a vida da gente nunca é, nem nunca será, uma coisa só, monótona, repetitiva, chata. A vida da gente é como esse trecho de margens da Lagoa Rodrigo de Freitas que percorremos nesse pouco mais de meia hora que caminhamos: às vezes chove muito; às vezes chove pouco; às vezes o sol aparece; às vezes o sol parece que nunca mais vai aparecer, e o céu fica nublado o tempo inteiro´.  E concluí: - Assim é a vida. O que significa que daqui a algum tempo a sua situação poderá estar completamente diferente. Ou não.
Não sei se foi o meu caetânico ou não, ou se a chuva caudalosa que voltou a cair sobre a Lagoa Rodrigo de Freitas que fez S. desabar novamente em choro copioso.
A seguinte ocorrência no entanto reforçou a minha metáfora climática: a chuva caudalosa durou menos de dois minutos, um sol espetacular surgiu logo em seguida, e aproveitei a deixa dramática, e perorei: - Tá vendo? Assim é a vida, com altos e baixos, entradas e saídas, começos e recomeços.
Voltamos para casa. Dia seguinte voltei para Brasília.
Voltei outras vezes ao Rio para visitá-la ou para realizar algum trabalho profissional. O tempo foi passando. O mundo foi girando. A Lusitana foi rodando. Não deu outra: em novembro de 2004, S., agora já divorciada, me apresentou P., o novo namorado
(A apresentação de P. aos Souza Menezes ocorreu no batizado de minha amada sobrinha-neta Beatriz, filha de minha amada sobrinha Guida, de quem eu e S. fomos padrinhos).
Sete anos depois, P. virou marido amantíssimo de S. e pai devotíssimo de duas filhas, L. e M., duas menininhas gêmeas absolutamente encantadoras:  meus pontos de luz neste mundo danado de emaranhado, e de complicado, e de demolidor que vivemos hoje.
Coisas da vida: tive e tenho imensas e às vezes irremovíveis dificuldades de fazer com que essa metáfora climática na qual ainda continuo crendo piamente se materialize na minha vida pessoal e profissional e afetiva nos últimos dez anos.  Não que a minha trajetória-travessia neste decênio tenha sido apenas sangue, suor e lágrimas. Não, não foi. Também ri muito. Também amei muito. Mas talvez tenha chorado mais do que rido e amado, e, noblesse oblige, prefiro rir e amar a chorar.
A pergunta que mais faço nestes dez anos é: fazer o quê a não ser seguir frente, e, neste momento, andar às vezes sem destino definido por esta cidade do Rio de Janeiro na qual moro há quatro anos e pela qual me apaixono cada vez mais perdidamente?
Já em 2012, na também muito amada Brasília (sou polígamo; também amo muito outras cidades do Brasil e do mundo),  reencontrei amiga querida que vive momento complicado: há três anos não consegue escolher entre os dois amores que caprichosamente o destino lhe jogou no colo. Tentou ficar com ambos. Quase enlouqueceu. Adoeceu de fato. Agora está razoavelmente sã, embora eventualmente tome 12 comprimidos de Rivotril 2 mg para conseguir dormir (Tentar ser Madame Bovary não é moleza não). E ainda não sabe ao certo o que fazer: - Eu tenho que escolher, meu amigo, e escolher é tão difícil.
Tirei outro insight da cartola, ou melhor, do boné. Não mais metáfora climática, mas pura experiência pessoal, e atirei para matar: - Você pensa que tem sido fácil para mim acordar de manhã e não continuar dormindo embaixo dos meus lençóis, modestos, mas macios, nos últimos dez anos? Não, não é. Mas todo dia eu escolho acordar, levantar, escovar os dentes, tomar um café reforçado, e chova ou faça sol, andar de 15 a 18 quilômetros no Aterro do Flamengo.
Antes que minha amiga querida retrucasse, cravei-lhe a seguinte argumentação: - E todo o ser humano faz essa escolha, inclusive você, todos os dias: acordar, e enfrentar o mundo perigoso lá fora, onde você poderá morrer com uma bala perdida atravessada na garganta, mas no qual você também poderá esbarrar com pessoas e situações que lhe demonstrem que a vida talvez valha a pena.
Touché!
Posso lhe contar um segredo, caro leitor: continuo sendo aquele ferreiro que usa espeto de pau para assar sardinha no fogão de casa. É mais fácil saber o que fazer diante dos problemas alheios do que diante dos nossos próprios problemas.
Quer saber outro segredo, querido leitor: apesar dos pesares, faço a parte que me cabe neste latifúndio: a) ando três horas por dia numa das paisagens mais bonitas da terra; b) escrevo quase o mesmo tanto que ando dia sim outro também; c) vejo filmes que me inspiram; d) leio livros que me inspiram; e) converso com pessoas que me inspiram;  f) vejo e enxergo as pessoas com as quais cruzo nas ruas, seja na Lapa, na Gávea, em Copacabana, ou na Ilha do Governador; g) escuto o que as pessoas dizem nas ruas e nos vagões de metrô e nas salas de espera de cinemas; h) trabalho quando há trabalho, gostaria e precisaria trabalhar mais; o busílis: nem sempre há trabalho para jornalistas sêniores no Brasil. 
Enfim, faço o meu dever de casa.
Tenho outra amiga em Campinas (beeeeem menos bergmaniana que a de Brasília). É o otimismo em pessoa, e vive me chamando de o pessimismo em pessoa. Dia desses, enviou-me e-mail, e perguntou bem-humoradamente: - E aí, menos pessimista? Respondi-lhe que sim.
Pensando bem: não sou pessimista. Na verdade, sou otimista enrustido.
Evidências: 1. Sempre acho que o meu novo romance vai ser amado por crítica e público, e ser traduzido em vários idiomas. 2. Creio firmemente que só vou fazer trabalhos profissionais pelos quais me apaixone e não simplesmente pelo fato de que ajudem a pagar o meu aluguel e os meus suprimentos. 3. Desejo, e desejo ardentemente, que um amigo que me magoou, e me magoou profundamente, no ano passado volte à minha vida e continuemos unidos para sempre (Ok, tudo a seu tempo). 4. Acredito que alguma alma gêmea irá me arrancar destes dez anos de solidão e me surgirá numa curva do Aterro do Flamengo. 5. Tento imaginar que as pessoas no fundo, bem lá no fundo, não sejam tão más assim. 6. Oro ardentemente para que a merda na qual transformamos o planeta Terra ainda tenha algum final feliz.
(Paro por aqui antes que me chamem de Poliana, a Louca).
Mas quero lhe falar mesmo, caro leitor, é deste domingo chuvoso deste verão carioca completamente amalucado:  chove muito; chove pouco; não chove nada; fez calor de 39 graus esta semana; fez frio de 17 graus esta madrugada.  
Condições climáticas adversas não me intimidam.  Quando chove, penduro o casaco Adidas preto e branco na cintura (para o caso de a temperatura cair), pego o guarda-chuva, e pernas pra que te quero. Foi assim hoje de manhã.
Ao sair de casa, chuviscava. No fim da Enseada do Botafogo, chovia a cântaros. No Aterro do Flamengo, avistei  nesga de sol entre nuvens. .
Essa transição chove-forte-e-para-de-chover foi tão repetitiva que cheguei a observar situação recorrente, e inesperada, e inexplicável.  Após cada chuvarada na qual eu atravessava altaneiro, comecei a perceber: quando o tempo voltava a apenas ficar nublado a quantidade de homens bonitos que corrriam no meu contrafluxo era pertubadora.
Essa situação se repetiu três vezes. Depois de três chuvaradas fortes, três nuvens de homens muuuuuitos bonitos me cruzaram o caminho correndo a galope.
Bom sinal? Mau sinal? Alguma alvissareira evidência de que encontrarei ainda certa alma gêmea antes de me apagar para todo o sempre?
Talvez a melhor resposta a esta pergunta pudesse ser dada por aquele robô carismático do seriado televisivo Perdidos no Espaço, que marcou indelevelmente a minha geração. Quando lhe faziam alguma pergunta à qual não sabia como responder, ele simplesmente dizia: - Sem registro, sem registro.



    


    


2 comentários:

  1. como diz um amigo meu, depois de respirar fundo, quando a coisa encrenca: "tudo é transitório". e é.

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  2. Li só hoje teu blog da semana passada. Gostei taaaaantooooo. Amanhã vou levantar mais feliz. Beijão Ro.

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