quinta-feira, 28 de julho de 2011

A MISS BRASIL QUE VIROU SUFLÊ DE BACON (OU VIVER É LUTAR!)

Todos sabemos (e, ainda bem, brincamos de não saber): morreremos a qualquer momento. Mas, ainda bem, não deixamos a peteca cair: trabalhamos; vagabundeamos; fodemos; não fodemos; traímos; não traímos; temos filhos; não temos filhos; freqüentamos (ou não) cinemas e teatros; comemos; não comemos; sacaneamos (ou não) o próximo; freqüentamos (ou não) divãs de analistas; lotamos (ou não) consultórios médicos na insana, mas legítima, intenção de acreditarmos que a morte não nos espreitará na próxima esquina.
Mas não há santo que dê jeito. Fazer o quê? Ficar em casa esperando a morte chegar? Nem pensar. Não somos de ferro. Ao contrário, somos absolutamente vulneráveis. Nada, portanto, mais justo que procuremos válvulas de escape, algo que nos impeça de nos matarmos a cada pequena grande tragédia diária que nos assola – mas, ótima notícia, temos amplo cardápio de drogas pesadas a nosso dispor:
1) religiões de todos os matizes;
2) psicanálises dos mais diversos credos;
3) rezas brabas e contritas;
4) mães e pais de santo que vêem nos búzios passados, presentes e futuros;
5) astrólogos, tarólogos e outros ólogos de plantão, sempre alertas, sempre ávidos por nos demonstrar: algo poderá melhorar, algo irá melhorar;
6) pílulas legais e ilegais que nos levam a paraísos artificiais dos quais nunca queremos sair, ou, simplesmente, nos fazem dormir no meio de tarde vazia-tão-clara-sem-fim - e  dormir no meio de tarde vazia-tão-clara-sem-fim pode ser a melhor coisa do mundo;
7) paixões súbitas e avassaladoras que nos acalentam, e nos fazem crer, enganosamente, que nada será como antes;  
8) maternidades & paternidades que, cremos, nos redimirão e nos transformarão em outros seres;
9) viagens fantásticas até o fim do mundo, ou até mesmo as triviais, tipo até Petrópolis, ou Paquetá;
10) projetos novos, que, queremos crer, precisamos crer, e que atestarão para os devidos fins que, de fato, existimos;
11) etc etc etc.
Confesso: já consumi todas as drogas pesadas citadas acima – mas tenho especial afeição pela droga 10. Desde os meus verdes anos, flagro-me  mergulhado em projetos novos, geralmente literários. É potente, mas exaure e aniquila, e tem mão dupla: precisa do olhar e da aprovação do outro. Ao concluirmos um livro ou uma peça de teatro, podemos achar, adrenalizado e endorfinado pelo êxtase de escrever, que o mundo nos pertence, e que a literatura e o teatro nunca mais serão os mesmos depois da obra genial que legamos à humanidade.
O efeito da droga acaba quando o primeiro interlocutor ou o primeiro crítico disser: - Isso aqui está uma merda! Jogue tudo no lixo e reescreva tudo, caralho! (Podemos crer ou não nesse interlocutor, ou nesse crítico; e, na verdade, este é o grande busílis dessa décima droga: quem afinal decidirá que alguém é ou não genial. Outrem, ou este alguém mesmo?).
Enfim: são todas drogas pesadíssimas, tarjas negríssimas, de efeitos colaterais, por mais que leiamos as bulas, absolutamente devastadores.
Apesar desses efeitos colaterais devastadores, não abri, nem abrirei, mão dessas drogas pesadas (abrir mão dessas drogas pesadas, mas necessárias e vitais, é, no atacado, suicidar-se e, no varejo, morrer aos poucos, a conta-gotas). Mas tenho os meus truques paralelos (e a maioria dos mortais também os tem).
Um dos meus truques paralelos preferidos é zerar o cérebro (vide bula, a seguir).
Modo de usar:
a) se  ontem um rapaz de 32 anos (que poderia ser o seu filho, o vizinho do lado, ou você mesmo) matou a sangue frio dezenas de pessoas na Noruega, ou na casa do caralho, por que passarmos as 24 horas seguintes imersos, minuto a minuto, na carnificina do noticiário da tevê, da internet e dos jornais? 
b) ou se, como ocorreu na  semana passada, em meio a caminhada pelo Aterro do Flamengo,  num belíssimo sábado de sol , você deparar (como eu deparei) com o corpo carbonizado de um morador de rua, e você tem absoluta certeza de que a morte daquele homem anônimo não vai mudar em nada o curso da (nossa) história?
c) em situações assim, devemos fazer o quê? Queixar-se ao bispo, ao prefeito, ao governador, à dona Dilma? Eles terão mais o que fazer e, a depender do estado d´ânimo dessas autoridades plenipotenciárias, você poderá ouvir um solene tomar no cu  (e, muito cá entre nós, é melhor que você obedeça).
Diante dessa impotência diante da nossa impossibilidade cotidiana de mudar os  destinos do mundo nos resta: 
a) o mais deslavado cinismo. 
b) escrever e filmar histórias que mais que conscientizarem os demais terráqueos  do quão bárbaros e abjetos somos,  funcionem como espelhos de nossos desatinos.
c) pegar o primeiro o primeiro ônibus espacial que passar e crer que em algum lugar da galáxia a barra será menos pesada.
d) usar todas as drogas legais e ilegais disponíveis.
e) nenhuma das respostas anteriores (n.r.a).
Descarto, de cara, a opção c e tambéem, claro, a e (n.r.a). Prefiro o cinismo eventual; o ato fervoroso de escrever; e, last but not least, o consumo de algumas drogas, digamos, recreativas.
Nessa categoria das drogas, digamos, recreativas, me aventuro com certo destemor e intrepidez. Assisto sem pejo, por exemplo, a programas como America´s Next Top Model,  a todos os -esse-ais ( é bom crer, nem que seja por alguns segundos, que  polícia é polícia, e bandido é bandido), Criminal Minds, Medical Detectives,Two and Half Men, reprises de Os Três Patetas, e congêneres.
Entre essas congêneres, a droga, digamos, recreativa que consumo há mais tempo, é o Concurso Miss Brasil: na aurora da minha vida, na minha infância querida, plenos anos 1960, eu e minha irmã Cecé, altas horas da noite de sábado, ouvíamos, em Jequié-Bahia, num velho rádio Mullard, com ansiedade e contrição máximas, a definição de quem seria considerada a mulher mais bonita do país).
Verdade que essa droga (talvez por excesso de uso) já não me provoque efeitos tão anestésicos como desejaria. Sábado à noite, 23 de julho, acessei a Band, com a intenção expressa de tentar assistir ao Concurso Miss Brasil 2011. No começo, até tentei prestar atenção naquela sucessão de gostosas moçoilas com as pernocas e os dentes de fora, acompanhadas por um playback ordinário, e apresentadas por duas muheres,  que de tão, digamos, enfeitadas, pareciam putas de romances de Jorge Amado.
Mas, em prova evidente de que ano que vem estarei livre desse vício maldito (será?), logo cochilei pesadamente no sofá da sala. De repente, ouvi gritos, e acordei. Era Bruno, o simpático filho da vizinha ao lado, 1 ano e meio de idade, aos urros e berros, chorando sem parar. Aos poucos fui emergindo do sono profundo e voltando a grudar os olhos na tevê, que continuava a transmitir o Concurso Miss Brasil 2011.

Foi então que vi, e juro que vi:  mulher gordota, cara de bolacha-maria, e que parecia meio zonza, vestida em tons de cor de rosa e ostentando coroa na cabeça,  se arrastava pelo palco desajeitadamente, diria mesmo, tropegamente.   
Os gritos de Bruno, o garotinho do apartamento ao lado, aumentaram; acordei de vez, e desvendei o mistério: aquela mulher gordota que ora se arrastava pelo palco era a Miss Brasil 2010, que agora voltava à cena para, como se dizia em tempos de antanho, passar o cetro e o mato e a coroa à sucessora.
Em rápido discurso, a gorducha Miss Brasil 2010 frisou: tivera o mais longo reinado da história do concurso, ´435 dias´;  fez os agradecimentos de praxe (pai, mãe, avó, o cachorrinho,  a puta que a pariu); e introduziu menção inesperada  a certo fulano de tal:  ´Pelo apoio emocional que me deu´. 
Logo depois, uma das apresentadoras, indiscretíssima, acabou de, digamos, entregar o ouro: exortou a força de vontade da Miss Brasil 2010, que conseguira emagrecer ´cerca de 15 quilos  em poucos dias´.  
Mesmo sonolento, foi fácil juntar as peças e deslindar, finalmente, algo de curioso e de inusitado – e o curioso e o inusitado era o fato seguinte: o reinado de Miss Brasil 2010 durara 435 dias e o concurso fora adiado por três meses (de abril/maio, quando acontece anualmente, para final de julho) pelo seguinte motivo: a Miss Brasil 2010, mineira de boa cepa, comera, provavelmente, mais pães de queijo do que deveria, e não deu outra: engordou muuuuuitos quilos. (E foi exatamente nesse período de adiamento que a Miss Brasil 2010 se submeteu a tratamento draconiano para perder as carnes que lhe opulentavam).
De madrugada, tive pesadelo: sonhei que, na pressa em fazer a Miss Brasil 2010 perder peso a tempo de participar da coroação da sucessora, uma girafa (sim, no sonho os cirurgiões eram girafas), dizia para as outras: - Tirar apenas a gordura da barriga e dos culotes não vai bastar. Teremos que lhe tirar um dos rins, o fígado, um dos pulmões, e talvez uma das pernas e a mão direita...

Sem titubear, as outros girafas foram arrancando as partes que o cirurgião-chefe sugeriu. e ia jogando dentro de uma enorme privada cor de rosa, estacionada exatamente ao lado da minha cama.
Foi então que acordei, rememorei o pesadelo, e pensei: - Merda. Não se consegue zerar o cérebro nem em concursos de Miss Brasil. (E, antes de voltar a dormir, apossou-se de mim enorme compaixão por essa Miss Brasil 2010 que comeu mais pão de queijo do que deveria, e cantarolei, baixinho: ´Pobre menina/não tem ninguém´).

(No outro lado da parede, Bruno voltou a chorar).
 

2 comentários:

  1. Jequieense é? Estudei no CEMS e descobri que faria faculdade de cinema nas minhas matinês de cine Jequié (é, ando velho)

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  2. Como sempre, uma delícia lê-lo, Rogério!Drogas recreativas funcionam, umas mais, outras menos. No zap vi o concurso na Tv, tb, mas não demorei mais q 1 minuto para q a droga fizesse efeito reverso - me deu uma gde depressão momentânea então...acho q fui para o Criminal minds, rs... Grande abraço,amigo,
    sylvia cyntrão

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