sábado, 1 de janeiro de 2011

TEMPESTADE, LAMA, E UMA PERGUNTA: O QUE DONA DILMA TEM QUE NÓS NÃO TEMOS?

O mendigo alheava-se de tudo (parecia não ter a mais remota idéia de para onde iam todas aquelas pessoas que passavam apressadas - e que não lhe prestavam a mínima atenção). Tentava abrigar-se em  caixas molhadas de papelão sob o viaduto da Rodoviária de Brasília. Ele quase me tirou do prumo: que trapaças da sorte levaram aquele pobre diabo àquela situação-limite?

Mas eu também tive de ignorá-lo, e de esquecê-lo. Na verdade o que o meu cérebro queria realmente processar naquele exato momento era a seguinte e complexa equação:
X: em 1 de janeiro de 2001 99,99% dos brasileiros jamais tinham ouvido falar de certa senhora, então cinquentona, chamada Dilma Vana Rousseff;
Y: há um decênio essa senhora, então cinquentona, poderia adentrar qualquer lugar público de qualquer lugar do país sem que ninguém se desse ao trabalho de contemplá-la, ou, sequer, de percebê-la;
Z: nesta tarde brasiliense chuvosa essa senhora, agora sessentona, tomava posse como a primeira mulher presidente da república federativa do Brasil.

Antes que minha cabeça desse tilt fatal na tentativa vã de decifrar essa complexa equação, me agreguei sem pejo à massa humana que invadia a Esplanada dos Ministérios - e me deixei levar - e me deixei arrastar. Ao olharmos para trás,  eu e a pequena grande multidão da qual fazia parte percebemos: 1. nuvens ameaçadoras despontavam colossais, a boreste.  2. o Rolls Royce presidencial preto, que transportava a nova presidenta da República Federativa do Brasil Dilma Roussef, & filha, despontava, colossal, a boreste.

O Rolls Royce presidencial preto passou velozmente - e apenas os mais rápidos no gatilho puderam flagrar uma Dilma Rouseff (visivelmente esculpida pela colossal obra de engenheria política a que se submeteu nos últimos tempos) acenar milimetricamente para nós, a plebe rude, que ululávamos às margens do cortejo presidencial.

A tempestade tropical de proporções bíblicas, no entanto, não passou velozmente. Ao contrário, perdurou; misturou-se a nós; imiscuiu-se no meio de nós; nos ensopou até os ossos nos quinze minutos seguintes; e encharcou o gramado rarefeito dos canteiros centrais da Esplanada dos Ministérios.

Às margens desse mar de chuva e de lama vicejaram os vendilhões de guarda-chuvas e de capinhas plásticas, magicamente alçadas à condição de joias da coroa. Impulsionadas pelo multissecular jogo da oferta e da procura, chegaram rapidamente a cotações hiperinflacionadas. 

(Tempestade. Lama. Hiperinflação. Haverá claro profetas que, a partir dessas sinalizações externas e inesperadas, imaginem bons ou maus augúrios para o recém-iniciado governo Dilma Rouseff. A ver.) 

Não paguei 15 contos  pela capinha plástica ordinária, ou 20 mirréis pelo guarda-chuva igualmente ordinário. Mas, admito, chafurdei na lama. Evidências: esfomeado, devorei cocada-branca-mais-doce-que-os-lábios-de-mel-de-Iracema que deve ter elevado a minha taxa de glicose a padrões estratosféricos e, para rebater, engoli dois sacos de pipoca salgada nas dezenas de barracas que pareciam sair do meio do nada. Ato seguinte: deixei-me afundar no mar de lama, literal, que nos conduzia ao Congresso Nacional  (lá, no gramado que cerca os dois  prédios, entre muitas poças de lama, formigas famélicas picavam súditos mais incautos - e lá esperamos, frenéticos, por mais de hora e meia para voltarmos a ver  a presidenta Dilma Roussef & filha, agora, tempestade apascentada, desfilarem em carro aberto no Rolls Royce presidencial preto).

Nesse burburinho, travei conversa com muitos súditos. Por exemplo: Dona Zefinha, pernambucana do Recife que mora no Distrito Federal desde 1971. Fã incondicional de Lula, ´ele vai voltar´, crê que ´essa muié´ poderá fazer ´um bom governo´. Inebriada com o que via (nunca assitira à nenhuma posse presidencial), me puxa pelo braço, quase íntima, e fala: - Se com Dilma está sendo essa festa toda, imagine se fosse o Nosso Senhor Jesus Cristo em pessoa que tivesse (sic) subindo a rampa do palácio! (E não pude deixar de me perguntar: seria Luiz Inácio Lula da Silva o Nosso Senhor Jesus Cristo de Dona Zefinha?)

Fim de (minha) festa: despeço-me de dona Zefinha (e da filha dela, e do neto dela, e do genro dela);  passo pelas proximidades do Parlatório, no Palácio do Planalto, onde a presidenta Dilma Roussef faz discurso discreto e a militância petista faz claque algo insossa para os padrões do partido; e sigo de volta para a casa onde ora me hospedo em Brasília. Então aquela complexa equação exposta no primeiro parágrafo me volta à cabeça.  Ainda não consigo elucidá-la, mas a seguinte pergunta bombardeia os meus neurônios: o que Dilma Rousseff tem que eu, você, caro leitor, e o mendigo do primeiro parágrafo não temos?

Três respostas possíveis: a. sorte. b. santo protetor como Luiz Inácio Lula da Silva. c. algum talento em abraçar as oportunidades inesperadas que a vida nos oferece.

6 comentários:

  1. Ou, como no filme "Slumdog Millionaire": letra D. "Was written." Rsrs.. ;D

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  2. Adorei te encontrar lá no meu desta pequena multidão que depois cresceu e cresceu. Bom ler a crônica e me alimentar dos hífens. Bjs

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  3. Rogério: continuo sua fã incondicional, leitora assídua do blog. Diversão com reflexão. Muito bom!!!Parabéns!!! E um 2011 iluminado p/ vc!!!!

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