terça-feira, 26 de abril de 2011

O POETA PÁLIDO DA MÃO OLEOSA E A JIBOIA QUE MORA NA URCA E VIVE À GRETA GARBO

Houve certa época de minha vida em que poetas barbudos e com halitoses fétidas  adentravam bares de Salvador que recendiam a bebidas baratas, a cigarros,  e a odores heterododoxos diversos. Nesses antros, em altíssimos brados, declamavam versos tortos  nos quais diziam, basicamente, que a burguesia fedia  (como se esse mantra significasse a descoberta da pólvora). Não mais freqüento bares de Salvador e alhures que recendam a bebidas baratas, a cigarros e a odores heterodoxos diversos, e talvez seja ainda possível que esses poetas barbudos e com halitoses fétidas continuem por aí declamando versos tortos nos quais basicamente dizem que a burguesia fede (como se esse mantra signifique a  descoberta da pólvora).
Nesses tempos de antanho (1975-1985), tremia de pavor quando esses poetas entravam em cena nos antros nos quais freqüentava. Tinham invariavelmente olhos esbugalhados,  e ostentavam invariável pathos guevariano. Passei a invariavelmente comprar todos esses livrinhos toscos. Motivo:  por ter no bolso exatamente a quantia  que pagaria o  ônibus que me levaria para casa (os amigos me pagavam a cerveja), certa vez recusei-me a comprar o livreto de poemas que certo poeta tentava me enfiar goela abaixo. Ao dizer-lhe, com refinada educação, que não poderia comprar o livreto de poemas que ele me oferecia, fui obrigado a ouvir: - Burguês, filho da puta. Senta a bundinha pra tomar cerveja,  mas se recusa a comprar a minha poesia REVOLUCIONÁRIA. VÁ SE FODER!  (E, a cada palavra, agora dita com pathos de deus-do-velho-testamento, vociferada em minha direção  chuviscos salivares do poeta irado aspergiam-me a face.).
A partir de então, sempre que ia a bares bebericar cerveja com amigos, levava o dinheirinho contado para pagar o seguinte, digamos, combo:  pelo menos uma cerveja  + o  ônibus que me levaria de volta para casa + o livreto de poemas de algum poeta revolucionário. Acabei fazendo involuntária coleção desses livretos horrendos, até que, em um dia  de fúria (talvez certo alguém me tivesse trocado por outro certo alguém; ou alguma merda assim), queimei-os todos. E contemplei, inebriado, essa fogueira  fumando baseados seqüenciados, que me levaram a ver todos aqueles poetas barbudos e com halitoses fétidas que me atazanavam nas mesas de bar de Salvador queimando nas labaredas advindas das próprias ´obras´  que criaram.
Fiquei com seqüelas: senti por grande parte da minha vida certo trauma, que se traduzia em pergunta recorrente: - Não se esconderia entre aqueles livretos de poemas que queimei sob os efeitos bombásticos de uma dor-de-cotovelo-malcurada anabolizada por 16 cigarros de maconha algum poeta fundamental  para a poesia brasileira,  e ao qual, com a minha insensibilidade abissal, não consegui vislumbrar? Quiçá um Manuel Bandeira? Um Mário Quintana? Um Augusto dos Anjos?
Mas, mistérios insondáveis da vida e da mente, sábado desses em minha caminhada matinal pela Pista Claudio Coutinho, na Urca, deparei com a seguinte cena:  em vários galhos de árvores da Mata Atlântica que margeia a via, enfiavam-se folhas de papel branco,  nas quais, como pude ver ao chegar mais de perto, se enfileiravam curtos poemas escritos à mão. Agora drogado não mais pela maconha de antanho, e sim pela esplendorosa paisagem que se avista do local, deixei-me encantar com aquele, delirei, varal poético, que me remetia (quis crer) aos livrinhos de cordel que devorava sem pejo nas feiras do interior da Bahia e que me ensinaram  que (boa) poesia e (boa) alegria rimavam (e rimam).
Olhei então ao redor:  avistei a alguns metros daquela, digamos, instalação poética, sentado em  banco tosco do lugar,  homem magro e pálido. Tinha barba por fazer, cabelos grisalhos, mas frondosos, cuidadosamente penteados para trás, à base de algum gel não identificado (talvez cuspe?). Percebeu meu olhar interessado (e culpado?),  e me olhou, igualmente interessado. Rápido no gatilho,  retirou da bolsa gasta (igualzinha àquelas  àquelas usadas pelos poetas revolucionários baianos de antanho) que carregava  vários livretos de poesia,  e os exibiu como se fossem gloriosos troféus. Poderia ter continuado a minha caminhada, mas não.
Algo me atraiu naquela criatura aparentemente saída do nada. Perguntava-me (em óbvio delírio provocado pela bela paisagem da Baía de Guanabara): não seria aquele homem o mesmo que  eu me recusei a lhe comprar livreto revolucionário,  e que me chamou de burguês filho da puta, e que mandou que eu me fodesse naquela Salvador de tempos idos?
Fui até ele. Bons sinais: o homem branco e pálido não tinha halitose fétida; recendia a sabonete barato mas não desagradável; e falava mansamente, e em voz baixa, às perguntas que lhe fazia. 
Informações básicas: 1) nasceu em Niterói; 2) não tem família; 3) mora sozinho no Méier; 4) admitiu faturar cerca de um salário mínimo por mês vendendo seus livretos em lugares como Praça 15, Leblon, Cinelândia e Pista Claudio Coutinho. 5) aposentou -se por invalidez - e pela saliva espumosa que teimava em escorrer-lhe pelos cantos dos lábios, deduzi , talvez maldosamente, que ele se tratava à base de remédios de tarja pretíssima; o que me fez deduzir, talvez maldosamente outra vez, que se tratava de um louco manso que se fazia passar por poeta para faturar alguns trocados (Nada contra; melhor, milhões  de vezes melhor,  do que, por exemplo, matar para roubar, modalidade que vem virando esporte, digamos, quase-olímpico nos últimos tempos, aqui, ali e alhures.).
Paulo S. C. (assim se chama o nosso poeta que comete poesia para faturar alguns trocados),  provocado pelo cronista, lembrou, depois de muuuuuitos segundos de hesitação, o nome de algum, digamos, confrade. Citou Neruda e Dramond (sic). Mas foi incapaz de lembrar de qualquer poema alheio:  ´Tenho memória fraca´, justificou. De repente, não mais que de repente, mudou bruscamente de assunto,  e se dispôs a me ensinar código capaz de tornar indecifrável qualquer texto que eu escrevesse no computador: - Poderia lhe cobrar dez mil reais, mas lhe passo esse código de graça. É o seguinte: o senhor troca a letra A por Z, B por X, e assim sucessivamente. Nem a Polícia Federal vai decifrar o que o senhor escrever.É batata!
Antes que enveredasse por caminhos ainda mais tortuosos, enfiei 2 reais (o preço cobrado pelo opúsculo) na mão oleosa do poeta, e parti.
Pouco tempo depois,  já quase na saída da Pista Cláudio Coutinho, havia dois guardas municipais estacionados. Perguntei-lhes, amistosamente: - Ela veio hoje? Um dos  guardas municipais me respondeu simpaticamente:  - Veio sim, olha lá ela toda enroladinha naquele galho de árvore...  Olhei, e vi:  era a própria. Alegrei-me. Era a jibóia que conhecera meses atrás e que havia algumas semanas não a encontrava. (À Greta Garbo, passa a maior parte do tempo solitária, comendo ratos e animais de pequeno porte, embrenhada na Mata Atlântica ao redor,  e só de vez em quando se deixa ver pela plebe rude e ignara).
Nas vezes anteriores em que a havia visto, a jiboia se revelava,  com todo o garbo e esplendor de seus quase quatro metros de cumprimento, absolutamente estática num galho daquela mesma árvore. Adotava postura absolutamente zen, como se os mortais que  a olhavam e a fotografavam freneticamente não lhe significassem porranenhuma (e nisso talvez tivesse alguma razão).
Nesse sábado, a jiboia mudara de postura: parecia rodilha (gigantesca) daquelas que as mulheres do interior do Nordeste usam para proteger o cocuruto  quando carregam lata d´água na cabeça.  Envolvia-se totalmente em si mesma. Ensimesmadíssima.  Integrava-se tão sistemicamente à árvore que a abrigava que parecia que sempre estivera ali, que nunca saíra dali. Não pude deixar de invejá-la nessa pelo menos aparente paz de espírito. Nada a fazia tirar do torpor no qual mergulhava. Nem mães histéricas que arrastavam crianças aos gritos de ´essa cobra é venenosa, Jéssica!´ (Deslavada mentira: jibóias não são venenosas). Nem adolescentes barulhentos e implicantes. Nem os cliques das máquinas fotográficas. Nada.
Quando crescer quero ser assim feito uma jibóia, bem e zen – pensava com meus botões.
Pensava. Mas deixei de pensar no exato momento em que uma mão oleosa alisou o meu ombro nu (vestia camiseta sem manga), e me cochichou no ouvido, respingando ali algumas gotículas de saliva: - Olha doutor, eu lhe contei a fórmula daquele código secreto, então o senhor tem de colaborar. Me arruma aí dez reais preu pagar um rango ali na esquina, vai. Quebra essa!
Meu mundo caiu. Quis mandar-lhe para os quintos dos inferno. Mas não. Enfiei-lhe a cédula de dez reais na mão oleosa, e voltei a contemplar a jiboia enrodilhada que, gretagarbosamente, não estava nem aí para o que lhe acontecia ao redor.
Na volta para casa, percebo,  ao tirar algumas moedas para pagar a água de coco: tenho o livreto do poeta da mão oleosa no bolso da bermuda. Arranco-o de lá, sento às margens plácidas da Praia Vermelha, e leio versos assim: ``Quando nos apaixonamos/Ficamos felizes e nos amamos/Numa linda valsa/Que o amor não passa/Por que você me abraça.´´
O dever de casa do caro leitor é refletir sobre a seguinte questão:   em meio a um tsunami devastador, você é o penúltimo dos sobreviventes,  e só lhe resta a oportunidade de salvar um dos seus companheiros de infortúnio:  1) esse poeta de mão oleosa; 2) essa jibóia que é a mais completa tradução de viva-e-deixe-me-viver.  
Qual deles você salvaria?


sexta-feira, 15 de abril de 2011

RATAZANAS GORDAS TENTAM PEGAR O PAU DO ÍNDIO PRA FAZER CACHORRO-QUENTE

À GUISA DE PREÂMBULO
Costumava, em certa época de minha vida, proferir palestras sobre o ato de escrever crônicas. Nos momentos em que o meu poder de oratória não parecia mais capaz de impedir  que alguns circunstantes cochilassem à bandeiras despregadas, apelava para a seguinte boutade, noblesse oblige, de minha lavra: mais do que talento o cronista precisa ter a sorte de estar no lugar certo na hora certa. Dizia mais: eu era cronista de sorte, porque sempre que olhava ao redor, estivesse onde estivesse, fosse onde fosse, sempre encontrava algo sobre o qual escrever, e sobre o qual refletir.
Meio assim:  hipotética entidade me rodearia, intencionalmente, de ocorrências e circunstâncias inusitadas,  para me obrigar a escrever sobre essas ocorrências e circunstâncias inusitadas.  Único exemplo (a lista é infindável):  andava certa vez, por alguma prainha imunda não identificada da Ilha do Governador,  quando flagrei dois ou três garotos que acabavam de descobrir objeto algo esférico, parecido com  coco seco amolecido pela maré,  e começavam a brincar com aquele objeto algo esférico como se fosse bola de futebol. Mas, de repente, um deles se apavorou, e gritou para os demais: - Porra, cara, isso é a cabeça de um defunto. Caralho!  (Pior que era mesmo).
Ontem isso (essa sorte torta do cronista) voltou a me atravessar o caminho – e isso começou a me preocupar – e isso me levou a pensar na seguinte bobagem: será que algum dia serei assassinado para assim poder escrever crônica póstuma, e bem-humorada, nos inalcançáveis  moldes machadianos, sobre a minha própria morte?
A AÇÃO PROPRIAMENTE DITA
Encontro marcado: 15h30 do dia 14 de abril de 2011. Local: portão central do Campo de Santana, na avenida Presidente Vargas, em frente à Central do Brasil. O meu objetivo: escrever crônica sobre as condições precaríssimas de sobrevivência das centenas de gatos que vivem no local e das dezenas de gatos ali abandonados por seus donos diariamente. Enfim: registrar a maneira desastrosa com que nós, seres ditos humanos, tratamos o que não é espelho. O objetivo do meu amigo: acompanhar-me, e, também, registrar esse flagrante desolador de nossa condição humana.
Eu cheguei adiantado: às 15h10. O meu amigo, atrasado: às 15h55. Nesse ínterim acuei-me num vácuo macabro que inicialmente não soube explicar de onde se originava. Aos poucos, fui desvendando o cenário que me cercava, e entendi o terror que  começou a me invadir as entranhas – e o que via ao redor era dantesco, era algo que me pareceu mais os umbrais do inferno do que o que deveria ser um dos mais belos e encantadores lugares de lazer da cidade do Rio de Janeiro: os belíssimos jardins onde, ainda nem tão belíssimos jardins, o imperador fizera o discurso no qual proclamava a República Federativa do Brasil, em 1989.
Havia bêbados seminus esparramados pelos gramados. Homens e mulheres de aparências funéreas e olhares varados por drogas dos mais diversos calibres sentavam-se nos bancos, de tocaia, como se espreitassem a próxima vítima para sangrar-lhe a jugular a dentadas.  Meninos e meninas de dentes podres fumavam maconha e crack à beira do lago enquanto esfregavam as respectivas genitálias.  Lixo, inclusive inesperada bolsa branca abandonada com algumas roupas de bebê dentro, espalhado por todos os lados. Basicamente aquilo parecia pedaço do inferno na terra. Em síntese: Horror. Horror. Horror.
Foi quando vi  batalhão de gatos. Corri na direção deles, como se fossem a minha tábua de salvação - e  foram: estavam quase todos lá, belos & guapos, sempre belos & guapos, se espichando ao sol tórrido do novo mundo,  e se deixaram acariciar e se deixaram afagar. Foi quando também conheci dona Maria José, uma das muitas voluntárias que tentam alimentar os gatos e acudi-los quando adoecem, ou quando são espancados pelas más gentes que infestam o lugar. Ela fala desses gatos como se fossem filhos. Diz que tem um em casa: Nick. E já me pergunta,  como se íntimo dela fosse:  - Tenho 50 anos, já sofri dois enfartes,  e sou muito nervosa. Quem vai me querer se não um gato?
A pergunta procede, admito. Insisto na conversa, que, de repente, é interrompida por bando de rapazes que vestem apenas calções encardidos, e que nos atravessam, quase literalmente,  com ares ameaçadores.  Um deles esbarra em dona Maria José, e esbraveja: - Sai do caminho, bruaca velha! Ela dá de ombros, e, experiente, avisa: - Esses cara é tudo bandido (sic)! Já me ameaçaram de morte, mas já falei pra eles que,  se eles me encherem muito o saco, eu enfio neles uma faca de cozinha que carrego aqui na bolsa. Quer ver? Não, não quis ver. E ela prossegue: - E a polícia sabe do que acontece aqui e não faz nada. Tá vendo aquele policial ali na guarita de entrada? Você pode me esfaquear aqui, na cara dele, que ele vai continuar lá com a porra da bunda dele grudada na cadeira!
Maria José muda subitamente de assunto (o que me leva a imaginar que talvez ela tivesse um parafuso a menos; ou a mais), e proclama: - Mas, quer saber? Não tem melhor caçador de ratos do que  gatos. Veja se você acha  alguma ratazana gorda aqui no Campo de Santana. Os gatos acabaram com todos eles... 
Mas a conversa começa a se esgotar;  não há mais assunto; os gatos passam a migrar para outras áreas; e volto ao portão central do Campo de Santana. Penso em esperar o amigo do lado de fora, no calçadão da Presidente Vargas, mas o sol está tão inclemente e abrasador que recuo. Fico andando para lá e para cá, perto da guarita onde o policial tem a porra da bunda eternamente grudada na cadeira. Não que ele me inspire proteção, mas por ali há pelo menos alguma sombra.
O tempo passa. Agora a coisa-que-se-parece-com-policial-que-habita-a-guarita conversa com duas outras criaturas que ocupam aquele pequenos carros que a polícia carioca costuma usar. O tema da conversa agrava o tom macabro do local:  - Uma mulher bêbada, acho que era puta, caiu no lago dia desses. Só descobriram por causa do fedor. Tava a maior carniça.
Rogo a quem de direito que o meu amigo chegue logo. Penso em ligar do celular para saber se já está por perto. Mas falar pelo celular num lugar daqueles era atitude basicamente kamikaze. De repente, o celular apita na bolsa avisando que alguém me disparou um SMS, que diz o seguinte:  ´´No metrô, atrasado, pra variar...´´
Na ex-capital federal, quinze horas e cinqüenta e cinco minutos:  hosana nas alturas, o meu amigo chega. Cumprimentamo-nos  cordialmente – e a primeira coisa que o meu amigo fala é do clima ameaçador que percebeu logo ao chegar. Comento que senti o mesmo, e que continuo sentindo o mesmo. Mas, em dupla, sentimo-nos mais protegidos, e adentramos o parque. A paisagem é belíssima (trata-se, seguramente, de um dos lugares mais belas do Rio de Janeiro),  mas desoladora. Os cheiros são fétidos. Há manchas de sangue aqui e ali e acolá. Os tipos com os quais deparamos são absolutamente sombrios: prostitutas caricatas que remetem a velhos  livros de Jorge Amado, com maquiagem e gorduras em excesso, e vestidos em tons de amarelo e vermelho;  grupos de rapazes e moças esquálidos que nos olham com raiva e rancor; e finalmente, negro magro de olhos opacos surge do meio do nada; amassa ostensivamente a genitália e vem perigosamente em nossa direção. Esquivamo-nos, nem olhamos para trás, e seguimos, aparentemente impávidos.
De repente 1:  quase miragem, surge o que, à primeira vista, poderia parecer a parte oásis da nossa incursão fatídica pelo Campo de Santana.  Às margens de pequeno e bucólico lago dezenas de gatos  torram ao sol, se espreguiçam, desfilam cheios de charme e esplendor. Quase creio que há, de fato, neste exato local, certa calidez e bucolismo no ar. A ponto de, a alguns passos de nós, alguns rapazes vestidos de garçons (provavelmente recém-saídos do trabalho), fotografarem outro rapaz (não vestido de garçom, provavelmente amigo de fora que os viera visitar) que posa para a posteridade com belo gato aloirado nas mãos. (Tudo parece tão repentinamente bucólico que o meu amigo ousa tirar a câmara que carrega na mochila e flagra aquele gramado coalhado de gatos à nossa frente.  Eu, de perto, vigio para que, por trás dele, não apareça ninguém disposto a lhe furtar os pertences).
De repente 2:  quase miragem, surge o que, à primeira vista, poderia ser o prosseguimento da parte oásis da nossa incursão fatídica pelo Campo de Santana.  Um carro da polícia civil, nas cores preta e branca, estaciona a poucos metros de nós. (Pertenço a geração que sempre cultuou mais os bandidos que os policiais. Mas, desde a violência endêmica que assolou o planeta e da carnificina diária na qual se transformaram as cidades nas quais  morei – Salvador, São Paulo, Brasília, e, agora, Rio de Janeiro , não posso negar: sinto certa tranqüilidade quando flagro algum tipo de policiamento nos locais públicos pelos quais circulo).
Um dos homens desce do carro, e vem em minha direção. Crente de que ele está entrando em cena para nos proteger, quase vou ao encontro dele com certa alegria. Mas o que ouço da boca desse cara que se aproxima de mim é: - Seus documentos! O que o senhor está fazendo aqui? Queira vir comigo. Pasmado, quase robotizado, o acompanho, e, ao chegar perto do carro, percebo: alguém abre a porta para que eu entre.  Foi quando o meu amigo percebeu o que estava acontecendo, e veio ficar ao meu lado. Diz que está comigo, que somos amigos, mas um dos policiais fala (eles eram três): - A questão não é com você, é com ele!.
Daí em diante é puro Kafka, sem gelo. Tentativa de fazer pequeno resumo: 1) Um dos policiais diz que houve denúncia a meu respeito,  sobre o fato de eu ter conversado com alguém suspeito, e que, portanto, eu era pessoa suspeita também;  2) o primeiro policial que me abordou parece ser o mais indócil; tem revólver ostensivamente à mostra na altura da cintura, situa-se ameçadoramente à minha retaguarda, e demonstra agitação quase insana,  o que me fez crer: estaria absolutamente cheirado, como se tivesse acabado de cheirar  praia-de-copacabana inteira de cocaína; 3) o trio, nada delicadamente, pede nossos documentos; ´faz o quê?´; ´tem contracheque aí?´; ´moram onde?´; ´estava fotografando o quê?´; ´o que fazem num local como esse a essa da tarde?´ 4) intimidação, intimidação, intimidação. 
Enquanto essa indesejável e truculenta retenção policial ocorria, embora eu falasse, embora meu amigo falasse, embora os caras falassem,  o que martelava bem lá no fundo da minha mente eram duas coisas:  a) (uma mais real) Por que diabos esses policiais de merda, no  meio dessa praça coalhada de bandidos, vão achar que eu, com essa folha corrida de monge-beneditino-não-pedófilo, seria o vilão dessa trama macabra que viceja diariamente no coração do Rio de Janeiro? b) (outra mais fantasiosa) Ao contemplar o mar de gatos que, em postura absolutamente zen, testemunhavam contemplativamente aquela situação absurda e inaudita, perguntava-me -(lembrando de Dona Maria José, que afirmara peremptoriamente  o poder letal que os felinos teriam sobre os ratos do local): - Por que esses gatos filhos da puta não se juntam e vêm devorar essas três ratazanas gordas que, saídas do nada, vieram assombrar dois cidadãos respeitáveis?
Teria sido assim o que aconteceu. Mas acho que não foi exatamente assim o que aconteceu. Presumo que teria sido assim o que aconteceu: essas três ratazanas gordas, que pareciam abarrotadas de cocaína até a medula, me viram aparentemente sozinho (o meu amigo estava a alguns metros de mim no momento da abordagem), vestindo roupas simples mas elegantes (calça cargo bege, camiseta Hering vermelha, tênis de marca, e bolsa a tiracolo discreta, mas não exatamente tosca), e pensaram em me extorquir. Tipo assim: - Vamos pegar aquela bicha de meia idade que veio aqui para caçar macho e tirar uma grana para comprar mais cocaína, caralho! E atacaram.
Em dedução lógica, concluí também o seguinte: quando o meu amigo rapidamente entrou em cena (me apoiando e demonstrando que eu não era um pobre-diabo-solitário-caçando-homem-naquele-inferno-de-dante-localizado-a-poucas-quadras-da-Prefeitura-do-Rio-de-Janeiro),  a intenção daquelas três ratazanas gordas que pareciam imersas em cocaína até a medula foi por água abaixo, e aquelas  três ratazanas gordas inventaram essa história sem pé nem cabeça de que alguém me denunciara por que eu havia conversado com uma pessoa suspeita.
Enfim as três ratazanas gordas nos liberaram (a contragosto; pelo menos em relação a mim, que, pelo visto, era o, digamos, objeto do desejo desses celerados; ai de mim!), e um deles, o que parecia ter cheirado menos cocaína, nos deu o seguinte conselho: - Se vocês forem realmente ´boas´  pessoas, nunca mais voltem aqui. Aqui é um lugar muito perigoso, onde mais de uma pessoa é esfaqueada e morta por dia.
Já em liberdade, na balbúrdia e no caos alegre da Presidente Vargas, sinapse inesperada trouxe de volta ao meu cérebro algo que eu e alguns colegas de escola primária dos anos 1960 gostávamos de repetir em tom de brincadeira de vez em quando: - Por isso que o Brasil não vai pra frente. Pegaram o pau do índio pra fazer cachorro-quente. 
A moral dessa curtíssima, digamos, fábula, é a seguinte:  nesse Brasil  caótico no qual habitamos, quase sempre se pega a pessoa errada.
PS1:  Não posso deixar de registrar aqui o meu imorredouro preito de gratidão ao amigo que ontem me acompanhou nessa incursão fatídica pelo Campo de Santana. Ele nem sempre está – mas ontem estava no lugar e na hora certos. Talvez não fosse por esse meu amigo, a essa altura do apocalipse  eu estaria, cravado de balas e com a boca cheia de formigas, enterrado em algum terreno baldio a léguas daqui e de agora.
PS2: Mas como dizia o meu pai, sabiamente: a gente só morre quando chega a hora.


terça-feira, 5 de abril de 2011

UM TELEFONEMA FANTASMA E UM RIO DE AZEITE DE OLIVA QUE FLUI NO MEIO DA SALA

Chego, enfim,  ao meu lar doce lar - nem tão doce assim, mas lar é lar. É começo de noite amenamente quente de segunda-feira carioca de abril se abrindo. Mal ultrapasso a porta, o celular toca inesperadamente, quase colericamente, a ponto de me provocar frêmito de susto. Dispara em algum lugar algo remoto nas imediações (ou dentro?) do meu corpo – e esse lugar desconhecido poderá  ser: a) os multibolsos laterais da calça cargo;  b) os vários compartimentos da mochila que levo sempre a tiracolo, quase à guisa de terceiro braço;  c) outros lugares não identificáveis tão facilmente, quem sabe o estômago?, (deliro);  ou o pulmão? (deliro de novo); ou os testículos? (deliro pela terceira vez).
Desespero-me. Penso:  ´Preciso atender a porra desse celular antes que a ligação caia; pode ser algo importante, quiçá vital.´ Atabalhoado, jogo ao chão as compras recém-feitas no supermercado; Merda, ouço o som de vidros que que se quebram. Merda de novo, deve ter sido os dois litros de azeite-de-oliva-que-amo-tanto que acabara de comprar. Merda das merdas, de fato foi – o que me leva a gritar palavrão de altíssimo calibre que ecoa pelo corredor do meu terceiro andar.
Os segundos passam velozes, algozes. Não consigo encontrar a porra do meu celular. Chego a acreditar que talvez o tenha realmente engolido e realmente tenha ido parar no meu estômago, ou nos meus testículos. Afinal o encontro: está abrigado na caixa onde guardo os óculos. Arranco-o dali com a ânsia dos desesperados.
Olho o visor: acesso informação talvez alvissareira: não se trata de X, de Y ou de Z, que sempre me ligam  ou, geralmente, disparam torpedos. Enxergo o prefixo (011), de São Paulo. A seguir, visualizo número telefônico, digamos, promissor: daqueles que combinam números alternadamente repetidos,  que caracterizam empresas de grande porte. O que me faz crer (preciso crer): será algum executivo de alguma empresa jornalístico-editorial paulistana me fazendo  afinal irrecusável convite profissional. (e, cá pra nós, caro leitor, quem não gostará de receber telefonema assim num começo de noite de segunda-feira?)

Lado A:  O meu ouvido direito tenta ansiosamente captar o que poderá se decifrar no outro lado da linha.
Lado B: Os meus olhos visualizam pequeno riacho de azeite de oliva que sai lentamente de um dos sacos de supermercado. Pior: se aproxima perigosamente do esplendoroso livro de J.M. Coetzee (A Vida dos Animais), que acabara de ler e que jogara displicentemente no chão do pequeno-corredor-de-entrada ao sair pela manhã.
A escolha de Sofia: atender imediatamente a ligação ou tentar salvar o genial romance do autor sul-africano? O que fazer, caro leitor?
(Relatório de atividades do dia 4 de abril de 2011: 
1) Caminho, como o faço todos as manhãs, 15 quilômetros pelo Aterro do Flamengo. É o melhor momento do dia. Creio, com convicção moderada: essa atividade física diaria,  emoldurada por uma das mais belas paisagens do planeta Terra, me garantirá, pelo menos, quarenta e cinco minutos a mais de vida.   
2) Volto para casa suado e gostosamente endorfinado. Meu prédio não tem elevador. Subo a galope os sessenta degraus da escada que me leva ao apartamento de terceiro andar no qual habito. É cansativo, as articulaçoes não mais tão juvenis estalam, o ar se rarefaz no meio do terceiro lance, mas os médicos garantem: é ótima atividade física, ressaltam, complementar. O que me leva a querer acreditar, com convicção igualmente moderada: tal prática me garantirá, pelo menos, quinze minutos a mais de vida.
3) Tomo banho gelado que me lava todas as almas. É absolutamente regenerador. A ponto de eventualmente crer, com convicção igualmente moderada: tomar ducha estupidamente gelada diariamente, seja no verão ou no inverno, me garantirá, pelo menos, dez minutos a mais de vida.
4) Na ida do banheiro para o quarto, quando passo pela sala, percebo com o rabo do olho: o notebook, embora parcialmente coberto por uma ou duas almofadas,  me dispara piscadela  lasciva, mezzo rubra, mezzo âmbar, como se me dissesse, sedutoramente: `Me  abra, me abra, me abra já, queridão!´. Mas resisto - uma das minhas metas para 2011 é  checar e-mails apenas uma vez por dia.
5) O celular apita, avisando que há mensagem. Alegro-me. Pode ser boa notícia. Ou não. Na verdade, hoje em dia o busílis não é receber boa ou má notícia, é receber alguma notícia, qualquer notícia. Mas  não é nem uma coisa, nem outra:  a operadora avisa friamente o valor da minha próxima conta.  
6) O controle-remoto meio abandonado e algo carente nos últimos tempos, me pisca, cheio de segundas intenções. Sei o que quer:  que o pegue, que o acaricie, que o acione e que assista algo na tevê em companhia dele. Mas ignoro-o. Foda-se. Afinal está cansado de saber: só aperto os seus botões quando quero ouvir músicas nos canais de som (basicamente jazz tradicional, jazz contemporâneo e bossa nova); ou para assistir, e chorar às pampas, ao seriado Brothers  & Sisters, e zerar o cérebro vendo os realities shows America´s Next Top Model e Top Chef.  
7) Saio de casa, e sigo para almoçar em self service brb (bom & razoavelmente barato) da Cobal do Humaitá. O hábito de sempre é beber em seguida pingado delicioso servido em  quiosque simpático bem ao lado. Mas não hoje:  a minha atividade a seguir é teste em esteira ergométrica (para avaliar as minhas condições cardíacas), e a zelosa atendente que marcou o meu exame havia sido muito eloquente: - O senhor não poderá ingerir nenhum produto que contenha cafeína durante o dia da realização do exame. Fui clara, senhor?
8) Totalmente descafeinado, sigo para fazer o teste ergométrico em clínica das proximidades. Honra ao mérito: sou muitíssimo bem tratado, e um médico, digamos, em pessoa, acompanha-me os exames. É superatencioso e cheio de entusiasmo. Quando  começo a ultrapassar os dez minutos iniciais em velocidade de corrida (com a mesma nonchalance que estaria se estivesse sentado na confortável poltrona da sala lendro  livro de Henry James), Doutor Marcelo urra, e vibra: - Excelente! Excelente! Quase me senti o próprio Carl Lewis. Saio do local com os resultados dos exames, que  garantem: meu coração está em perfeitíssimas condições de uso, e atravesso a rua Dona Mariana, lépido e fagueiro, carregando leve sensação de imortalidade.
9) Em seguida, vou ao banco resolver algumas pendengas financeiras, inclusive pagar o aluguel mensal do imóvel no qual habito Há fila gigantesca. Mas com a leve sensação de imortalidade que ainda borbulha no meu peito, enfrento a situação com bravura e galhardia indômitas – e meia hora depois posso ver de novo a luz do sol.
10) Na sempre feérica rua Voluntários da Pátria, cruzo com duas mulheres que conversam em vozes altíssimas, como se fossem surdas, ou quase. Não são bonitas, parecem preocupadas, e ostentam assumidas carantonhas. Uma delas grita para a outra: ´Droga de vida! Eu devo ter sido uma daquelas criaturas que jogaram pedras em Jesus quando ele estava na cruz. E as pedras que atirei devem ter atingido a cara dele.... a cara dele...
11) Finalmente chego ao cinema Estação Botafogo,  para assistir ao filme Incêndios, produção canadense que perdeu o Oscar para o dinamarquês Em Um Mundo Melhor (também excepcional). Apesar de pouco badalado pelos nossos críticos cinematográficos de plantão, trata-se de  produção deslumbrante, arrebatadora, instigante e devastadora. Saio  do cinema com a nítida impressão de que acabara de ver pequena grande obra prima, e, também, de que a vida é realmente faca de dois gumes: sublime por um lado; abjeta, por outro.)

Não é fácil me decidir entre atender o celular que continua a tocar insistentemente e salvar o romance de J.M. Coetzee que, àquela altura, já se empapa caudalosamente de azeite de oliva que escapara vertiginosamente dos vidros quebrados e se liquefaz irreversivelmente. Atendo à ligação. O que então ouço é voz aflita, a minha, quase desesperada, quase sem fôlego, quase sem ar - e essa voz aflita e quase desesperada, quase sem fôlego, quase sem ar, brada: - A...lô! Alô! Alô! Alôô! Alôôôôô!
Falo alô nas mais diversas entonações e nas mais diversas cadências.
O que desejo ouvir do outro lado da linha: - Alô, senhor Rogério Menezes. Prazer imenso falar com o senhor; aqui é da editora X, e o doutor Y está precisando urgentemente lhe falar.
O que realmente ouço: o mais inexorável dos silêncios. 
Não quero desistir. Fico repetindo a palavra alô por  alguns minutos. Finalmente, desolado, capitulo. Aperto o botão de desligar. Acendo as luzes. Dou dois ou três passos, evitando as compras que se espararramaram pelo pequeno-corredor-de-entrada. Sento na confortável poltrona da sala. Respiro fundo. Repito o mantra: tudo-zen-tudo-tudo-zen-tudo-zen. Dá certo:  consigo contemplar, e até ver certa beleza nesse quadro algo inusitado, no rio de azeite de oliva  que agora se espalha pelo chão e que invade caudalosamente as páginas do romance de J.M.Coetzee.
Mas quando o azeite de oliva já chega quase às margens do meu tênis recém-comprado, eu reka,  fiat lux: claro, o número que me ligara estava gravado no meu celular,  e eu poderei ligar de volta. Pego o celular, acesso o ícone mensagens recebidas, e lá está o seguinte número:  011 3411 4100.
Pronto. Tudo se resolverá, penso. Certamente alguém me ligara de alguma importante editora, e a ligação caíra. Por que não ligar de volta? Talvez até estivessem tentando me ligar e a ligação não estivesse se completando. Meus dedinhos magros, e ágeis, e basicamente, ansiosos, então discam pausadamente: Zero-o-número-da-operadora-1-1-3-4-1-1-4-1-0-0.

O meu corpo se torna todo ouvidos para eventual e simpática secretária que, desejo, me atenderá do outro lado da linha e dirá tudo que precisaria ouvir. Mas não há nenhuma secretária do outro lado da linha. O que se ouve do outro lado da linha é, novamente, o mais inexorável silêncio.
Flor de obsessão que sou, ligo uma, duas três vezes. Do outro lado da linha, repetidamente, três inexoráveis silêncios.
Ponho-me a pensar, e o pensamento recorrente é este: - Que porra é essa de, do meio do nada, alguém me ligar, não dizer nada, e ao ligar de volta, alguém novamente não dizer nada?
Rapído no gatilho, lembro-me de São Google, o oráculo que tira todas as nossas dúvidas (menos as existenciais), e o invoco via notebook. Claro, escreverei o tal número na página de busca, e certamente descobrirei a qual empresa aquele número pertencerá.
É o que faço. Ao fazê-lo,  dezenas de páginas virtuais me remetem a esse número telefônico. Mas não demonstram que aquele número pertença a essa ou aquela empresa. É sim, e eu pasmo, um número telefônico fantasma.
Navego por outros sites que têm esse número fantasma como tema, e leio depoimentos assim:
Maria das Graças (Rio de Janeiro):- “ Gostaria de entender o motivo pelo qual venho recebendo diariamente ligações deste número(11)34114100. Isso passa dos limites!! já que ninguém fala (sic). São fantasmas?...”
Rodrigo Silva (Jundiaí, São Paulo): “Também venho recebendo várias ligações do maldito (11)34114100. Há alguma maneira de bloquear essa xaropice?”
Marcela (São Paulo): “Também venho recebendo ligações desse número, eu atendo, não falam nada e quando eu ligo de volta dá ocupado! Que cargas d'água esse número quer comigo? ”
Nadia  (São Paulo): “Recebo de 40 a 50 ligações diarias deste número 011 34114100. É insuportável. Você atende e ninguem responde, e quando tenta retornar o número não existe.´´
Há mais dezenas de depoimentos de igual teor. Respiro fundo. Finjo que esqueço o rio de azeite de oliva que agora já invade toda a sala  e que transformara o romance de J.M. Coetzee numa frágil e tosca jangada. Pego o controle remoto, que me parece radiante por eu ter voltado a lhe dar atenção. Ligo a televisão. Teclos os números 4-5-2 dos canais de áudio. As vozes do Quarteto em Cy invadem a sala. Cantarolam  Eu sei que vou te amar, de Tom & Vinicius. Apago todas as luzes. Deito no sofá localizado a alguma distância do rio agora cada vez mais caudaloso do azeite de oliva  e sorvo com alguma delícia aquela atmosfera algo irreal, quase mágica  – e acho, mas não tenho certeza, que adormeci.

(Ao fundo  o celular volta a tocar colericamente).  

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